Em agosto, fui convidada para participar de um evento no TRE/Tribunal Regional Eleitoral. O tema envolvia a participação das pessoas com deficiência na vida pública e na política. Aceitei com entusiasmo e fiz um texto para organizar as ideias. O encontro não aconteceu, mas quero dividir minhas reflexões com os leitores da Sler.
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Hoje vejo algum avanço na participação das pessoas com deficiência na vida pública e na política. Mas quando comecei a escrever sobre acessibilidade e inclusão em 2016, era raro este aceno para a diversidade. Na época, fiz várias sugestões em uma coluna no Sul21 e enviei para os candidatos. Retorno zero! Meu foco era a necessidade de políticas efetivas voltadas para Acessibilidade e Inclusão no Ambiente Urbano. Neste contexto estavam pessoas com deficiência, invisíveis para a sociedade, suas formas de expressão e sua relação com o meio em que viviam. Comportamentos variados, que passavam pelo jeito de encarar a vida e pelas reações que as diferenças provocavam no cotidiano de todos nós. Hoje usamos também a palavra Diversidade, que nos impulsiona a sair das bolhas e reconhecer o vasto e complexo universo dos humanos.
Entendo por Diversidade as manifestações que caracterizam o fazer dos povos e de grupos sociais, relacionadas às suas origens, raça, cor, formação, costumes, condições física, psicológica e social. Cada povo tem rituais que identificam tribos e modos de vida. Preservam suas histórias através da linguagem, da memória, das tradições, crenças, culinária, enfim. Aprendizados que passam de geração para geração e se modificam a partir das trocas com outras tribos e processos culturais, outras formas de convivência e de organização familiar/social, que se misturam e provocam mudanças. É o que nos faz transcender a nossa condição e abre possibilidades para novos conhecimentos, relações e experiências, olhando para o mundo sem preconceitos. É buscar, efetivamente, políticas públicas que possibilitem que as pessoas se representem com a sua diferença. Não sejam representadas. De modo geral, somos ignoradas no campo político. E quando procuradas – e já fui algumas vezes! – precisamos ficar atentas ao uso partidário que podem fazer – e fazem! – da nossa condição.
A Declaração de Madri, de março de 2002, primeiro documento internacional sobre pessoas com deficiência, traz a frase “Nada sobre Pessoas com Deficiência, sem as Pessoas com Deficiência” que se transformou no lema “Nada Sobre Nós, Sem Nós”. O que vale para todas as pessoas e suas singularidades. Só uma educação libertadora, assumida pelo poder público em sintonia com os grupos marginalizados, pode fazer desta afirmação uma realidade. Só assim aprenderemos a relativizar o mito da perfeição, assumir as imperfeições e abrir portas para a complexidade do existir. “Existirmos a que será que se destina?”, pergunta o compositor Caetano Veloso em uma canção. Só o convívio com as diferenças pode nos ensinar a lidar com o imponderável e, talvez, encontrar uma resposta. Discursos e promessas de campanha só alimentam egos.
A diversidade instiga e nos tira da apatia da normalidade que acomoda, enquadra, discrimina e limita olhares.
A política não tem a inclusão como foco no sentido de proporcionar que as pessoas, independente da condição, participem da vida pública da sua cidade/comunidade com segurança, respeito e acolhimento. Livres para criar, experimentar, tornarem-se difusoras da cultura, com o apoio do poder público. Só seremos diversos se o acesso for para todos. É preciso pensar nas pessoas com mobilidade reduzida, pessoas cegas, pessoas que dependem de cadeira de rodas, pessoas que têm problemas cognitivos, pessoas com autismo, síndrome de Down, nanismo. Como diz uma canção muito simbólica do grupo Titãs, “Comida” (1987), de Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Britto – “A gente não quer só comida / A gente quer comida / Diversão e arte / A gente não quer só comida / A gente quer saída / Para qualquer parte”.
A gente quer participar com autonomia
Mais uma vez, lembro a Lei Brasileira de Inclusão, sancionada em 2015, com base na Convenção da ONU. Criada para assegurar os direitos e as liberdades fundamentais, significou um grande avanço, mas ainda não é olhada como deve, apesar de ser clara ao definir a pessoa com deficiência: “Aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, e que, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”. Quem conhece esta lei que garante direitos para mais de 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, quase 25% da população do país, segundo dados do IBGE/Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística? Quem está preocupado em fazer adaptações para que uma pessoa em cadeira de rodas, para dar apenas um exemplo, possa usufruir da vida sem ser constrangida de alguma maneira?
Já fui chamada por uma arquiteta especializada em acessibilidade para visitar espaços culturais em Porto Alegre e pensar coletivamente em adaptações possíveis, mas a pandemia impediu a continuidade do projeto. Neste ponto, considerando a minha condição de pessoa com nanismo, quero frisar que nada é melhor para alguém com deficiência do que o convívio em sociedade. E nada é melhor para a sociedade do que o convívio com as diferenças. Precisamos de políticas efetivas que garantam autonomia e integração. Mas os políticos só ativam esta memória quando estão em campanha. Tenho convicção de que ouvir pessoas com alguma diferença nas administrações públicas e privadas contribui para a luta dos excluídos. Seus direitos e condição deveriam estar na base de todos os programas e projetos municipais, estaduais, nacionais, em todos os recantos deste Brasil tão diverso. Para incluir, é fundamental abrir oportunidades e derrubar barreiras para tornar os ambientes acessíveis, respeitando capacidades e limites, sem julgamentos capacitistas.
Só seremos sustentáveis quando inclusão, acessibilidade e diversidade fizerem parte do nosso cotidiano. Mas isso ainda é uma utopia!
Foto da Capa: Cristina Índio do Brasil / Agência Brasil
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