Desta vez, os bombeiros estão no Palácio do Planalto e na Esplanada dos Ministérios. Os atores, nos quartéis do Exército, da Aeronáutica e da Marinha, são Forças Armadas, e nos gabinetes e estruturas da Polícia Federal. O governo Lula traçou a estratégia para evitar um novo embate entre eles depois do acúmulo de atritos desde o período de transição, que envolveram a segurança do presidente, até a atuação no 8 de janeiro.
Agora, os ministros envolvidos no tema decidiram criar um comitê conjunto entre as pastas da Justiça e da Defesa para acompanhar a operação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) nos portos e aeroportos do Rio de Janeiro e de São Paulo. A medida foi tomada após policiais federais e militares criticarem uma possível relação de subordinação entre as forças fardadas e as demais corporações, com militares mandando em delegados ou vice-versa. Ainda na transição, havia forte desconfiança da PF sobre a segurança de Lula ser feita por militares do GSI (Gabinete de Segurança Institucional).
Aliados de Lula consideravam o gabinete uma estrutura sob influência bolsonarista, principalmente por causa da gestão do general Augusto Heleno. O GSI não foi acionado para ajudar na segurança na sede da transição em Brasília. Desde então, ganhou corpo entre petistas planos para afastar os militares dessa função. Atualmente, o modelo é híbrido e prevê a atuação na segurança presidencial tanto do GSI como da PF.
Outros episódios que marcaram a queda de braço entre PF e Forças Armadas foram os ataques golpistas de 8 de janeiro e as apurações sobre as supostas tentativas de Jair Bolsonaro (PL) de reverter o resultado das eleições. A Polícia Federal conduz as investigações que apontaram apoio de militares de alta patente a ideias golpistas de Bolsonaro e atua para tentar identificar integrantes das Forças Armadas que possam ter participado dos ataques contra as sedes dos três Poderes em janeiro.
A primeira reunião do comitê conjunto da GLO do Rio, na última semana, já foi marcada por tensão. O vice-almirante Paulo Renato Rohwer comentou sobre a necessidade de fazer ajustes orçamentários para viabilizar a operação e destacou que o decreto continha informações desnecessárias, como a operação na faixa de fronteira, já prevista na legislação. Ele fez menção ainda à falta do representante da PF na reunião trimestral sobre a Operação Ágata, realizada na faixa de fronteira em cooperação com diversas agências, que ocorreu em outubro. Essa crítica foi entendida por membros do Ministério da Justiça como uma provocação do militar.
Mais tarde, o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Capelli, reclamou da postura do almirante. Com a disputa, o ministro José Múcio Monteiro, da Defesa, decidiu retirar Rohwer do comitê e designou seu chefe de gabinete, Marcelo Pimentel, para a função. Durante as discussões sobre o decreto da GLO, os ministérios da Defesa e da Justiça viram um possível atrito entre a PF e as Forças Armadas pela definição de quem comandaria a operação e como seria a relação entre as forças de segurança.
Os militares justificam que é preciso estabelecer um comando de controle, com um oficial-general no posto máximo, para que seja definida a relação de hierarquia. Em operações anteriores, eles costumavam convocar as reuniões de coordenação com outras agências e tomavam a dianteira nas discussões.
A PF, de sua parte, argumentou internamente que possui autonomia para comandar as ações em portos e aeroportos. Eles rejeitaram ser subordinados aos militares e pediram que a coordenação fosse compartilhada entre Justiça e Defesa. O comitê é coordenado pelos ministérios da Justiça e da Defesa e possui oito integrantes, quatro de cada lado. Eles devem se reunir semanalmente e repassar as críticas e sugestões para os ministros e chefes das corporações.
Os comandantes das Forças Armadas e o ministro Múcio designaram seus próprios chefes de gabinete para a função. Na Justiça, Flávio Dino escalou Capelli, o secretário de Segurança Pública, Tadeu Alencar, e um representante da PF.
Oficiais-generais afirmam que, na prática, a GLO é uma operação militar e o comando é das Forças, responsáveis por coordenar o auxílio dos demais órgãos de segurança. A Marinha, por exemplo, escalou o vice-almirante Renato Rangel Ferreira para coordenar a força-tarefa nos portos. Abaixo dele, o contra-almirante Cláudio Eduardo Silva Dias ficou responsável por cuidar da operação no Rio de Janeiro. Em Santos, o trabalho é do contra-almirante Elson Luiz de Oliveira Góis. Na Aeronáutica, o major-brigadeiro Luiz Guilherme da Silva Magarão foi escalado como comandante da operação.
Os pontos de conflito
PF x GSI
A Polícia Federal desconfiava, ainda na transição de governo, da atuação do GSI, então sob influência bolsonarista, na segurança presidencial; o gabinete não foi acionado para colaborar na troca de mandatos, e atualmente, a segurança de Lula segue modelo híbrido entre o órgão e a PF, afastando os militares
8 de janeiro
A PF conduz as investigações sobre os ataques às sedes dos três Poderes em janeiro, e apontou apoio de militares de alta patente nas ideias golpistas de Jair Bolsonaro (PL), o que gera incômodos entre os fardados
Investigações contra Bolsonaro
As investigações contra o ex-presidente em temas como a fraude nos cartões de vacinação contra a Covid-19 e o caso das joias também desgastam a imagem das Forças Armadas, já que militares são alvo de operações por colaborarem com Bolsonaro nos supostos crimes
Foto da Capa: Marcelo Camargo / Agência Brasil