O ser humano que defende e acha normal fazer piada com a dor do outro não é humano. Com escassez de talento, de criatividade e respeito, o que sobra para esses humoristas pobres de espírito e oportunistas é apelar para a barbárie em busca da fama. Assim fazem um humor cruel, raso, precário e sádico, embalado no preconceito contra negros, gays, autistas, nordestinos, crianças estupradas, mulheres violentadas, pessoas com deficiência, os diferentes de um modo geral. Não são artistas e não fazem arte. Falta cultura, criação, humanidade, imaginação e sensibilidade para tanto. E sobra ambição e desprezo pelo outro porque batem em pessoas vulneráveis, já discriminadas pela sua condição. Ofendem e ignoram a dor alheia. Seus olhos só conseguem ver os seus umbigos porque se acham superiores. E assim seguem covardemente escondidos, ou protegidos pelas suas redes sociais, em busca do riso a qualquer custo para insuflar seus egos e alimentar a fama que pode trazer a riqueza tão almejada.
“Como silenciar quando o mundo insiste em ser bárbaro?”
Esta é a pergunta que o ator, escritor e ativista Lázaro Ramos faz em “Na Nossa Pele – continuando a conversa” (Editora Objetiva, 2025), livro em que amplia a sua reflexão e dá continuidade ao que escreveu em “Na Minha Pele”, lançado em 2017 (Editora Objetiva). Realmente, não podemos silenciar diante de pessoas que defendem o direito de humilhar e desprezar a dor alheia. É um absurdo e não é justo apoiar um tipo de humor contaminado pela discriminação, inimigo dos direitos humanos e analfabeto de cidadania. O humor não está acima do bem e do mal, nem das ideologias. Por isso, não podemos nos calar. E assim volto ao que diz Lázaro: “…a crise não é só econômica e política, a crise é civilizatória: preconceito, intolerância, hipermedicação pra viver anestesiado”. A civilização que ele evoca e desejamos é “aquela que se emociona, se solidariza, compreende, compartilha, permite que seus filhos e filhas se alimentem não só de comida, mas da convivência com o outro, a que celebra e reconhece a importância da singularidade, a que respeita, a que é justa, a que educa e ilumina”.
É claro que rir é um bom coadjuvante para amenizar os problemas que surgem a todo instante, físicos ou emocionais, e não sabemos como resolver. Ouvi mais ou menos isso de um médico em uma entrevista. O dia em que a gente não sorri para alguém certamente é um dia difícil. Cada época, cada sociedade, cada cultura, cada pessoa tem o seu jeito de rir. E o riso, rezam as lendas, está na corrente sanguínea do brasileiro. Mas temos limites nesta equação!
Sou adepta do riso, mas é importante lembrar que nem toda gargalhada é acolhedora.
Não gosto do riso que desfaz do outro, humilha, debocha e soa estridente, carregado de prepotência e preconceito. Ainda mais agora em que os seres abusivos se escondem covardemente nas suas redes sociais, que de “sociais” não têm nada, e seguem impunes dizendo absurdos. Enfrentei situações em que as risadas me fizeram muito mal, intimidaram e assustaram. E ainda enfrento! Pessoas com nanismo são alvos de piadas e atitudes cruéis, algumas disfarçadas, outras escancaradas e acompanhadas de imitações, gestos grotescos e palavras ofensivas. Já escrevi muito sobre isso e comentei algumas situações absurdas que vivi. Experiências constrangedoras que me levaram a encarar discussões desnecessárias, que eu não precisava, mas não consegui manter o “bom humor”, ou “o gabarito do salão”, sob o eco das gargalhadas e a ameaça dos dedos apontados como armas.
Às vezes, como canta Chico Buarque : “Qualquer desatenção / faça não / pode ser a gota d’água”. É o que pode acontecer quando a indignação, por motivos mais do que razoáveis, nos faz extrapolar as margens quando nossos direitos, dignidade e liberdade são atingidos brutalmente.
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