Há muito tempo me acompanha um pequeno quadro que creio ter comprado na Lagoa da Conceição, em Florianópolis. Nele, a icônica foto na qual Freud segura um charuto, porém, como se tivesse passado por uma andywarholização, deixando-o mais rosa do que Barbie em dias de fúria. Trata-se de uma arte que utiliza o jogo fonético com o nome da banda inglesa Pink Floyd.
Inclusive, há quem vá mais longe na paródia acrescentando – the dark side of your mom. Aliás, instantes antes da feitura deste escrito, descobri que existe uma banda polonesa chamada Pink Freud. Enfim, uma besteirinha que lembrei, porque em meu texto anterior me vi na borda de realizar uma crítica a um texto freudiano, coisa que, geralmente, resguardo a lugares mais trilhados por psicanalistas. Em todo caso, por que não? No trabalho e estudo psicanalítico nem tudo são flores e menos ainda rosas cor-de-rosa.
Freud é pop, mas não é lá muito pink. Por isso, talvez não sirva sempre para psicanalistas que atuem com as pessoas LGBTs e não-brancas. Isso não significa que o jogo fora, mas que atualizo essa relação nos meus termos, quer dizer, na diversidade também de pensamento. Afinal, nada mais antifreudiano do que não se revisar. E foram muitas as revisões em sua obra, tantas quanto possível para uma vida que atravessou duas guerras e um longo câncer. Entretanto, sempre cumprindo com a ideia difundida posteriormente por Lacan, a de que uma analista deve estar à altura do tempo no qual vive. Frase batida em certos círculos psicanalíticos, mas de difícil prática, ao que parece.
É que vejo, com algum assombro, a pouca implicação no âmbito da psicanálise com as pautas do nosso tempo. Evidentemente, inclui-se a inclusão de pessoas com deficiência que, aliás, também têm raça, gênero e sexualidade. O assombro passa quando me recordo de que as polarizações colocam não a indiferença com essas questões, mas a oposição simétrica e sistemática. Seria ingênuo pensar que o movimento psicanalítico não padece deste mesmo processo de polarização.
Nem sempre é sutil, mas com notas de aparente neutralidade, certos discursos, aparentemente psicanalíticos, destilam racismo ao negar a branquitude como fenômeno a ser estudado, LGBTfobia ao insistir na binarização de conceitos e machismo ao desconhecer que certas noções poderiam acessar novas nomenclaturas para não mais reforçar o patriarcado vigente.
Em muitos casos, é notório o desinteresse pelas pautas citadas, já que com isso perdem uma boa parte da clientela das classes dominantes. Esquecem-se que a Gestapo não foi neutra com Freud e que se este vacilasse um pouco mais talvez a psicanálise mesma não teria sobrevivido. É bom lembrar!
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Foto da Capa: Reprodução da Internet