Emília não era uma boneca de pano qualquer. Criada por Monteiro Lobato, Emília nasceu dos retalhos de uma colcha, cosidos pelas mãos da Tia Nastácia, que queria presentear Narizinho. Porém, Emília logo ganhou vida própria e se tornou uma personagem independente. Ela era divertida, desafiadora, teimosa, às vezes irritante e muito, muito falante. Duvido que tenha alguém da época do Sítio do Picapau Amarelo que não tenha tido vontade de ser aquela boneca em algum momento.
De todas as façanhas da Emília, o que mais encantamento me causava era quando ela usava o pó brilhante — o famoso pirlimpimpim — e, magicamente, podia desaparecer, voar ou realizar várias outras coisas incríveis. Ela sempre encontrava maneiras criativas de utilizar o pozinho para resolver problemas ou, simplesmente, se divertir. Muitas vezes fantasiei que tinha um pouco do pó brilhante comigo. Graças a Deus, nunca tentei voar, mas jurava que podia fazer as coisas sem que ninguém notasse. Algumas chineladas levei por isso.
Outro dia me peguei pensando sobre ser invisível. Que bom seria! Tanto tempo depois, e em circunstâncias completamente diferentes, queria ser como a Emília de novo, só que desta vez na versão adulta. E não só. Pensei que certas coisas — e certas pessoas — mereciam a invisibilidade também. Me deu uma vontade enorme de ter o pó de pirlimpimpim. O que eu faria com ele?
Que me perdoe Monteiro Lobato, mas em tempos conturbados e de exposição extrema, acho que o usaria de maneira diferente. E se me fosse dada essa chance, nada de potinho pequeno, queria mesmo alguns quilos da substância mágica, que generosamente iria distribuir. Antes, duas regrinhas do meu pó brilhante: a magia da invisibilidade, do dom de voar e do teletransporte só funcionariam comigo. Aos outros restaria o sumiço eterno, sem direito ao retorno, invisíveis para sempre. Nem vem, meu pó, minhas regras.
Começaria com um tal presidente que insiste em escrever a história como quem usa canetinha hidrocor — daquelas que borram e mancham tudo. Quando ele vê que não deu conta, tenta apagar, mas a lambança já está feita. Pirlimpimpim nele.
Em seguida, dava sumiço a esses loucos das guerras. Todos eles. Dois potinhos pra cada. Depois, borrifaria uma dose generosa sobre essa horda de influencers maldosos que crescem igualzinho à erva no jardim. Os que tripudiam da dor alheia, vendem felicidade embalada, desprezam a pobreza, mas se aproveitam dos pobres. “Os” e “as” que promovem as BETS receberiam doses extras.
Políticos? Também! Muitos. Pirlimpimpim neles! Um sumiço limpo, sem vestígio, como se nunca tivessem existido. Para cada um que sumisse, milhões retornariam para as contas dos aposentados.
Logo em seguida, viraria o frasco em cima dos comentaristas de internet com PhD em tudo: economia, medicina, geopolítica, psicologia, etc. E os “coaches” então?
Pó neles!
Donos de igreja que prometem salvação via Pix, “bebês reborn” e seus pais adotivos. Desapareceriam num sopro.
E se alguém estranhasse o silêncio repentino nas redes, nos jornais, nas ruas? Eu diria que foi só uma faxina mágica.
No fim das contas, talvez o mundo não precise de mais likes, nem de mais líderes “carismáticos”. Talvez a gente só precise de um pouco mais de Emília. E de um pote — generoso — de pó brilhante.
E você, para quem daria o pó de Pirlimpimpim?
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Foto da Capa: Divulgação.