A aprovação do Projeto de Lei nº 2159 (PL), de 2021, que estabelece as normas gerais para o licenciamento de atividade ou de empreendimento utilizador de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidor ou capaz de causar degradação do meio ambiente, vem dando muito pano pra manga, bem como causando inclusive divergentes posicionamentos dentro do governo federal. A posição da ministra Marina Silva, claramente protetiva do meio ambiente, conflita inclusive com interesses de exploração de petróleo e recursos minerais defendidos pelo próprio presidente Lula e bate de frente com o “agro”, setor que alavanca a economia nacional e que é fundamental para uma balança comercial favorável ao país.
Esse PL que foi aprovado, em 26 de maio, pelo Plenário do Senado e remetido para a apreciação da Câmara dos Deputados, traz modificações tão sensíveis sob o ponto de vista ambiental e constitucional que ele vem sendo discutido há 21 anos, quando passou a tramitar na Câmara dos Deputados o PL 2729/2004. É um projeto que se propõe a regular as normas sobre licenciamento, cujas regras resultaram em um texto que se estende por 59 páginas.
Saliento apenas alguns aspectos desse projeto de lei que considero importantes para o entendimento do seu escopo.
Destacarei apenas algumas das normas nele contidas aplicáveis ao licenciamento ambiental realizado perante os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama).
Esse PL estabelece que o licenciamento ambiental deve prezar pela participação pública, pela transparência, pela preponderância do interesse público, pela celeridade e economia processual, pela prevenção do dano ambiental, pelo desenvolvimento sustentável, pela análise dos impactos, e quando couber, dos riscos ambientais. Outrossim, determina que, para licenciamentos de atividades ou de empreendimentos minerários de grande porte e/ou de alto risco, prevalecerão as disposições do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) até que seja promulgada lei específica.
As diretrizes para o licenciamento ambiental são:
I – a realização da avaliação de impactos ambientais segundo procedimentos técnicos que busquem a sustentabilidade ambiental;
II – a participação pública, na forma da lei;
III – a transparência de informações, com disponibilização pública de todos os estudos e documentos que integram o licenciamento, em todas as suas etapas;
IV – o fortalecimento das relações interinstitucionais e dos instrumentos de mediação e conciliação, a fim de garantir segurança jurídica e de evitar judicialização de conflitos;
V – a eficácia, a eficiência e a efetividade na gestão dos impactos decorrentes das atividades ou dos empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente causadores de poluição ou outra forma de degradação do meio ambiente; VI – a cooperação entre os entes federados.
De acordo com esse PL, o licenciamento ambiental é o processo administrativo destinado a licenciar atividade ou empreendimento utilizador de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidor ou capaz, sob qualquer forma, de causar degradação do meio ambiente.
Como esperado, ele deixa claro que a construção, a instalação, a ampliação e a operação de atividade ou de empreendimento utilizador de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidor ou capaz, sob qualquer forma, de causar degradação do meio ambiente estão sujeitas a prévio licenciamento ambiental perante a autoridade licenciadora integrante do Sisnama, sem prejuízo das demais licenças, outorgas e autorizações cabíveis.
Ele contém, no entanto, normas que, sob o ponto de vista do direito ambiental, podem ser sensíveis e até inconstitucionais. Veja-se que ele dispõe que não estão sujeitos a licenciamento ambiental as seguintes atividades e empreendimentos:
– de caráter militar previstos no preparo e no emprego das Forças Armadas,
II – considerados de porte insignificante pela autoridade licenciadora;
III – não incluídos nas listas de atividades ou de empreendimentos sujeitos a licenciamento ambiental;
IV – obras e intervenções emergenciais de resposta a colapso de obras de infraestrutura, a acidentes ou a desastres;
V – obras e intervenções urgentes que tenham como finalidade prevenir a ocorrência de dano ambiental iminente ou interromper situação que gere risco à vida;
VI – obras de serviço público de distribuição de energia elétrica até o nível de tensão de 69 kV (sessenta e nove quilovolts), realizadas em área urbana ou rural;
VII – sistemas e estações de tratamento de água e de esgoto sanitário, exigível neste último caso outorga de direito de uso de recursos hídricos para o lançamento do efluente tratado, o qual deverá atender aos padrões de lançamento de efluentes estabelecidos na legislação vigente;
VIII – serviços e obras direcionados à manutenção e ao melhoramento da infraestrutura em instalações preexistentes ou em faixas de domínio e de servidão, incluídas dragagens de manutenção;
IX – pontos de entrega voluntária ou similares abrangidos por sistemas de logística reversa;
X – usinas de triagem de resíduos sólidos, mecanizadas ou não, cujos resíduos devem ser encaminhados para destinação final ambientalmente adequada;
XI – pátios, estruturas e equipamentos para compostagem de resíduos orgânicos, cujos resíduos devem ser encaminhados para destinação final ambientalmente adequada;
XII – usinas de reciclagem de resíduos da construção civil, cujos resíduos devem ser encaminhados para destinação final ambientalmente adequada, nos termos da Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010; e
XIII – ecopontos e ecocentros, compreendidos como locais de entrega voluntária de resíduos de origem domiciliar ou equiparados, de forma segregada e ordenada em baias, caçambas e similares, com vistas à reciclagem e a outras formas de destinação final ambientalmente adequada.
Vale ressaltar que esse PL traz a seguinte disposição mitigadora dos riscos da falta de licenciamento:
A não sujeição a licenciamento ambiental não exime o empreendedor da obtenção, quando exigível, de autorização de supressão de vegetação nativa, de outorga dos direitos de uso de recursos hídricos ou de outras licenças, autorizações ou outorgas exigidas em lei, bem como do cumprimento de obrigações legais específicas.
Um outro grande risco desse PL é que ele estabelece que não estão sujeitos a licenciamento ambiental as seguintes atividades e empreendimentos:
I – cultivo de espécies de interesse agrícola, temporárias, semiperenes e perenes;
II – pecuária extensiva e semi-intensiva;
III – pecuária intensiva de pequeno porte; IV – pesquisa de natureza agropecuária, que não implique risco biológico, desde que haja autorização prévia dos órgãos competentes.
Embora isso seja maravilhoso para o “agro” e que exista uma ressalva de que “a não sujeição ao licenciamento ambiental não exime o empreendedor da obtenção, “quando exigível”, de licença ambiental, de autorização ou de instrumento congênere, para a supressão de vegetação nativa, para o uso de recursos hídricos ou para outras formas de utilização de recursos ambientais, de autorização ou de instrumento congênere, para a supressão de vegetação nativa, para o uso de recursos hídricos ou para outras formas de utilização de recursos ambientais, para o meio ambiente isso pode ser um desastre, pois a flora nativa em geral, a fauna brasileira, os rios e águas sofrem impactos diretos da exploração agrícola, da transformação das áreas nativas em grandes plantações, da poluição causadas pelos defensivos agrícolas, das queimadas, da abertura de estradas, etc, com indiscutível prejuízo ambiental, em um momento em que o planeta pede por socorro, em que as mudanças climáticas que podem ser catastróficas para todo o planeta estão já mostrando seus efeitos avassaladores ao redor do mundo.
Conforme publicado no site da CNN, no dia 20 de maio, às 03h33, “As mudanças feitas na proposta são alvo de críticas de entidades ambientais, como o Observatório do Clima e o Instituto Socioambiental. O projeto foi apelidado de “PL da Devastação”.
Em nota técnica, o Observatório do Clima argumenta que, “ao priorizar de forma irresponsável a isenção de licenças e o autolicenciamento, a proposta tem potencial de agravar a degradação ambiental, representando grave ameaça a direitos humanos fundamentais”.
Segundo a CNN ainda, a ministra Marina Silva, que se posiciona frontalmente contra a PL, declarou que “PL da devastação é enterro do licenciamento ambiental”.
Em abril deste ano, escrevi, aqui na SLER, um artigo sobre recente julgamento do STF, que ao se debruçar sobre a ADI6618RS julgou inconstitucionais dispositivos das Leis estaduais 15.434/2020 e 14.961/2016 que, a grosso modo, instituíam novos tipos de licenciamento e determinavam inclusive a dispensa de licenciamento para atividades de silvicultura de alto potencial poluído, mas de porte mínimo de território. No referido julgamento, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por razões óbvias, declarou tais dispositivos inconstitucionais.
Vale destacar esse trecho das razões de decidir dessa ADI, onde está claro que “Não se admite que o Poder Público estabeleça normas cuja consequência oportunize a concretização de violações à proteção e conservação dos biomas brasileiros.”
Nesse PL as regras são distintas, mas a meu ver algumas incorrem nos mesmos problemas salientados no julgamento do STF, acima referido. Imagino que, se aprovado esse PL e convertido em lei, até que haja a declaração de inconstitucionalidade de tais dispositivos (isso se for esse o entendimento do STF), muito tempo terá passado, muitos danos ambientais terão ocorrido, e quem sabe seja até mesmo “tarde demais” para nosso meio ambiente e para as pessoas que sofrerão cada vez mais as consequências da destruição do meio ambiente, da poluição e do aquecimento global. Pobre planeta em que vivemos. Está sendo destruído por todos os lados.
Todos os textos de Marcelo Terra Camargo estão AQUI.
Foto da Capa: Paulo Pinto / Agência Brasil