A originalidade parece estar em processo de extinção.
Fiquei pensando sobre isso nos últimos dias a partir das recentes polêmicas que circularam pelas redes sociais – e que provavelmente não durarão mais do que dois ou três dias e depois serão esquecidas.
Lembrei da época em que dava aula na graduação. Naqueles tempos, uma das poucas coisas com quem eu era realmente rígido era com plágios. Eu não me importava com frequência nas aulas, com as notas nas provas, com quem chegava atrasado, com nada disso. Mas o plágio era algo que eu tomava a sério, justamente por se tratar de um ambiente de produção de conhecimento.
Sempre que algum aluno entregava um trabalho que eu percebia ser uma cópia, eu marcava de conversar pessoal com ele, até mesmo para entender o que havia acontecido. Será que a minha didática tinha sido falha? Será que eu havia exigido demais na tarefa final da disciplina?
Eu achava importante colocar a mim e a faculdade na qual eu dava aula na cena, entendendo que um plágio diz algo da relação do aluno com a instituição de ensino representada pelo professor. A entrega de um trabalho sem originalidade era uma mensagem. Cacoete de psicanalista, talvez, de tomar os fenômenos aparentes como sintomáticos de uma estrutura subjacente mais ampla.
O que eu fui percebendo nestas conversas é que muitos alunos não entendiam o conceito de plágio. Ou seja, não se tratava somente de preguiça ou indisposição para a escrita, mas eles desconheciam a própria noção de que copiar o material produzido por outra pessoa é uma atitude eticamente questionável.
Aos poucos, fui percebendo que estes alunos vinham tendo aulas com alguns professores que se utilizavam do famigerado recurso do “powerpoint”. Isso, por si só, não era tão problemático. Mas também fui vendo que o material didático projetado eram trechos de livros, muitas vezes sem a devida citação. Mesmo se a referência estivesse explicitada, ainda assim eu fiquei pensando no efeito que poderia ter para o aluno assistir à aula de alguém que se contentava em copiar e colar o trabalho dos autores estudados. Onde estava a originalidade daqueles professores? Onde estava a dimensão de autoria ali?
Claro que não se deve exigir que toda aula precise reinventar a roda, mas acredito que o mínimo que se espera de alguém que se ocupe com o ofício de lecionar seja que este professor ou professora coloque algo de si naquilo que transmite.
Havia, portanto, realmente um sintoma institucional em operação. Os alunos, de certa forma, não só mimetizavam como também explicitavam esta falta de originalidade dos professores, mesmo que de forma involuntária.
Mas claro que só isso não explicaria o fato de tantos alunos desconhecerem a ideia de plágio.
Um outro fator que me pareceu relevante na época foi me dar conta de que a quase totalidade daqueles jovens tinham nascido dentro de uma realidade em que a internet existia e já era amplamente difundida.
Justamente pela facilidade de acesso ao conhecimento, é próprio das redes o esvaziamento da autoria. Navegamos de um site a outro – de um perfil a outro, hoje em dia – sem sabermos muito bem quem produziu aquele conteúdo. Tanto assim que se tornou comum a frase: “Eu li na internet”, como se a própria rede tivesse escrito o que lemos.
Com isso, também fica mais fácil copiar e colar trechos de sites ou artigos e organizar um texto minimamente coerente com este material. Assim, a sensação de autoria se desliga do conteúdo e vai para a forma: “Mas fui eu que organizei o trabalho” era uma das frases que eu volta e meia escutava dos alunos. Aqui a originalidade vai sendo substituída por uma técnica de colagem. Estranho para quem cresceu fazendo pesquisas em enciclopédias, mas faz sentido.
Além disso, já há mais de década temos visto esta tendência ao plágio no próprio universo da cultura. Pense comigo, leitor: quantos filmes a que você assistiu recentemente eram originais, e não remakes de obras antigas? Quantas e quantas séries são reboots de outras narrativas já vistas? Quantas músicas são apenas remixes de sucessos de outros tempos?
Mesmo que não explicitamente, muito do conteúdo que consumimos hoje em dia é padronizado a ponto de parecem sempre os mesmos.
Os serviços de streaming são uns dos grandes responsáveis por isso. Ao conseguirem traduzir o gosto do público em métricas de pesquisa, cada vez mais vemos filmes e séries feitos sob medida para a audiência. Desta forma, os produtos culturais acabam se tornando cada vez mais enlatados e sem graça, ainda que entreguem justamente o que é agradável para quem assiste.
O algoritmo, assim, se torna uma máquina de esvaziamento cognitivo e estético: cada vez menos somos questionados e instigados pelo que consumimos, cada vez mais o mundo vai nos devolvendo uma imagem de nós mesmos.
Por fim, não há como não pensarmos nos impactos que ferramentas como o ChatGPT produzirão no nosso cotidiano. Afinal, estes recursos não passam de plagiadores digitais que recortam e colam conteúdo de várias fontes, sem citá-las, para elaborar um outro material.
Se mal utilizada, a inteligência artificial pode ser a pé de cal em um dos traços mais preciosos da humanidade: a nossa capacidade de fazer diferença no mundo, de reorganizarmos as nossas referências para produzir algo original.
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