O Plano de Ação Climática de Porto Alegre foi apresentado para um grupo no zoom e transmitido ao vivo pelo YouTube na quarta, dia 31 de agosto, pelo consórcio de empresas que foi contratado pelo Banco Mundial. Na abertura, o prefeito Sebastião Melo foi categórico: “É preciso criar um SUS da sustentabilidade no Brasil”, justificando que o que precisa ser feito não tem como tratar com o orçamento do município. Acompanhei toda a apresentação e saí incomodada por várias circunstâncias. Não conseguirei esgotar aqui minhas percepções. Saí com muitos questionamentos e algumas certezas.
Antes de mais nada, a sociedade civil, as organizações que zelam pelo bem comum, pela aplicação da legislação, como o Ministério Público, deveriam acompanhar de perto, com uma lupa, tanto o que foi pedido, o que é necessário e o que foi entregue pelos contratados. Mas já me disseram que depois de pago um estudo, um plano, não se tem como obrigar um governo a colocá-lo em prática.
Já vi argumentos de “manipulação climática, da ditadura da ONU, do absurdo que é essa tal Agenda 2030” em comentários em redes sociais e de pessoas que não dá para levar a sério. Agora, não dá para dizer que é surpreendente, teve até uma vereadora que usou sua posição para falar coisas desse tipo: a produção orgânica na zona rural de Porto Alegre será um risco para a cidade. É, no mínimo, vergonhoso. Gente falando que a dragagem do Guaíba é mais importante que o plano.
Então, para começo de qualquer conversa, faltou um plano de comunicação, estratégias que explicassem para a população o que é um plano de ação climática – um norte para ações de longo prazo para a redução de emissões e riscos. Isso envolve assessoria de imprensa, divulgação em massa em diversos meios para que os moradores compreendam o que significa essa iniciativa.
Mas pior que isso: a pesquisa só levou em consideração a opinião de quem pode usar a internet! Ou seja, a esmagadora maioria dos moradores nem tomou conhecimento desse levantamento. Os organizadores informaram que houve 5.886 contribuições, envolveu 54 organizações, foram realizadas 69 reuniões e que o processo teve a participação “efetiva” de 597 pessoas. Quem mais participou foram as mulheres (69.5%), os indivíduos que não são ligados a qualquer instituição (37,3%) e os que responderam ser brancos (85,7%).
Só que não é novidade alguma para quem acompanha a agenda ambiental, se preocupa com a coletividade e anda pelas ruas e parques saber que retrocedemos de trator de esteira na gestão ambiental nos últimos anos. Em todos os sentidos. Principalmente quanto à valorização da conscientização, da educação ambiental, que precisa ser permanente, como uma diretriz de Estado, não de governo. Só o que aconteceu com a falta de manutenção das casas de bombas e a sujeira dos dutos de drenagem são provas explícitas do quanto as últimas administrações se empenharam em atuar para manter o mínimo funcionando.
A Flora, filha de um dos ambientalistas mais aguerridos e queridos do século passado, o Zeno Simon, foi uma das que apresentou os resultados. Ela trabalha para a Way Carbon, uma empresa que vem sendo contratada Brasil a fora para fazer esse tipo de diagnóstico. À medida que iam apresentando, fiz algumas perguntas no chat. Algumas foram respondidas educadamente por uma funcionária da prefeitura (acho que era CC), outras ninguém respondeu. Não vi qualquer participação de jornalistas, ambientalistas ou representantes da sociedade civil conhecidos. Poucas pessoas também se pronunciaram. Vou colocar algumas questões aqui por que acredito que todos devem cobrar dos tomadores de decisão medidas de adaptação e mitigação das mudanças climáticas.
E começo pelo Banco Mundial: por que uma instituição desse porte financia um plano que não corresponde com a realidade local? Ainda estamos vivendo as consequências do maior desastre da história, mas se não há gente, profissionais do quadro para colocar em prática o que o trabalho aponta, por que o banco não exige alguma contrapartida da prefeitura para o fortalecimento da estrutura institucional do município?
Perguntei: mas para fazer o que estão propondo, quando haverá concurso público? Ninguém sabia. Ficou evidente a falta de conexão do que se propunha com a realidade que estamos vivendo.
E como esse plano vai dialogar com o Plano Diretor, já que foram realizados eventos e teve muita produção de conteúdo? Há tantos estudos já prontos, eles foram levados em consideração? Alguém da prefeitura respondeu no chat que sim. Mas não me convenci.
Entre os resultados, constaram a importância de valorização do verde, a melhoria do transporte coletivo, o aumento das ciclovias e muitas outras coisas. A gravação que pode ser acessada pelo YouTube, traz tudo isso, mas o que rolou no chat, não. Uma das minhas perguntas foi: o que será feito para valorização das Unidades de Conservação? Hoje as nossas UCs, como o Parque Natural do Morro do Osso e a Reserva Biológica do Lami, penam por falta de funcionários. Há pouquíssimos biólogos no quadro da Secretaria que deixou de ser só de Meio Ambiente e hoje lida quase que só com Urbanismo, daí o nome Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo, de Smam à Smamus.
Gostei da pergunta da Jéssica Felappi, bióloga e doutora em Engenharia pela Universidade de Bonn, Alemanha. Ela foi direta: para fazer isso que estão falando precisa uma mudança de mentalidade, como serão diminuídos os espaços para carros? Qual estratégia para se fazer as mudanças necessárias?
Enfim, o que gostei de saber foi que parece que agora vão criar um plano de contingência, um sistema de alertas, rotas de fuga em casos de vivermos novamente outra enchente.
Solicitei que algumas pessoas me enviassem suas impressões sobre o evento.
Confiram a opinião
Júlia Froeder, ambientalista, que trabalha na realização da Virada Sustentável de Porto Alegre.
É muito importante que Porto Alegre tenha um plano desses para orientar ações efetivas no combate e na adaptação à nova realidade climática. Diversos estudos mostram que os casos de sucesso são os que envolveram a comunidade, e o que me chamou atenção foi a participação muito limitada dos cidadãos e das organizações da sociedade civil no processo, praticamente inexistente antes da reunião de apresentação do Plano já sendo finalizado. Ele precisa virar um plano da cidade e não das organizações executoras com a prefeitura atual. Além disso, me chamou atenção o foco muito grande no 4º Distrito e no Centro, que é resultado de outros dois projetos financiados pelo Banco Mundial. Para ali tem dinheiro e projetos serão executados, e para o resto da cidade que aparece nos mapas de vulnerabilidade?
Marcos Leandro Kazmierczak, doutor em Desastres Naturais, da KAZ TECH, integrante da Rede de Emergência Climática e Ambiental (RECA).
À primeira vista, o PLAC/Porto Alegre me parece ser bem eclético e abordar muitas frentes. Logicamente, devem ser muitas e me pareceu que precisam de muito detalhamento. Isso pode levar a uma falta de fôlego da Prefeitura para dar conta de tantas ações. Precisa considerar um concurso público, com certeza. E alocar especialistas em muitas áreas de conhecimento.
Me chamou muito a atenção este slide inicial, abaixo. Meu entendimento é de que um PLAC precisa sim considerar as ações específicas para o município de Porto Alegre, mas que deve considerar a Região Metropolitana, ou pelo menos um raio de 100 km.
Esta questão sobre a melhor abrangência de um Plano de Ação Climática (PLAC) é fundamental e não possui uma resposta única, pois depende de diversos fatores. Vamos abordar os dois lados.
Argumentos a favor de uma abordagem municipal:
- Autonomia: permite que cada município defina suas prioridades e estratégias de acordo com suas particularidades e recursos.
- Agilidade: facilita a implementação de ações mais rápidas e direcionadas às necessidades locais.
- Engajamento: promove maior participação da comunidade local nos processos de decisão e implementação.
Argumentos a favor de uma abordagem que considere o entorno:
- Interconexão: os problemas climáticos não respeitam fronteiras municipais, sendo influenciados por fatores regionais e globais.
- Eficácia: uma abordagem regional ou estadual pode gerar sinergias e otimizar recursos, aumentando a eficácia das ações.
- Coerência: permite a criação de políticas públicas mais coerentes e integradas, evitando duplicação de esforços e conflitos entre diferentes níveis de governo.
A necessidade de uma abordagem integrada:
A solução ideal, na minha opinião, é combinar ambas as abordagens, adotando um enfoque integrado que leve em consideração tanto as especificidades locais quanto as dinâmicas regionais e globais. Ou seja, um Plano de Ação Climática eficaz deve:
- Analisar o contexto: realizar um diagnóstico detalhado das condições climáticas locais e regionais, identificando os principais desafios e oportunidades.
- Estabelecer metas ambiciosas: definir metas claras e mensuráveis para redução de emissões e adaptação às mudanças climáticas, alinhadas com os objetivos nacionais e internacionais.
- Promover a participação: envolver a sociedade civil, o setor privado e outros atores relevantes na elaboração e implementação do plano.
- Coordenar ações: estabelecer mecanismos de coordenação entre os diferentes níveis de governo e instituições, garantindo a articulação das ações.
- Monitorar e avaliar: implementar um sistema de monitoramento e avaliação para acompanhar os resultados e ajustar as estratégias conforme necessário.
Em resumo, um Plano de Ação Climática deve ser um instrumento dinâmico e flexível, capaz de responder às complexidades das mudanças climáticas e promover a transição para um futuro mais sustentável. E principalmente para que não seja apenas mais um plano.
LIVE nesta terça
Para encerrar, convido a todas minhas leitoras e leitores para acompanhar a live que estarei participando na próxima terça, dia 6 de agosto, das 19h às 20h30. Será a primeira de uma série de três lives chamada Diálogos entre jornalistas e especialistas acerca de debates. A promoção é da Rede de Emergência Climática e Ambiental (RECA) e Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). No canal da FENAJ no YouTube.
Dia 6, terça: os alertas foram emitidos. E agora?
Dia 7, quarta: o desastre eclodiu. Quais os protocolos?
Dia 8, quinta: voltamos à normalidade. Quando o desastre acaba?
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Foto da Capa: Jefferson Bernardes/ PMPA
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