Um dia, no verão da Bahia, eu estava procurando com meu filho, em imagens do Google, novos locais para mergulhar. Localizamos uma praia deserta com piscinas naturais que não ficava longe de onde estávamos. Pegamos o carro e fomos até lá. A praia era de fato muito bonita. Com aquela fileira de coqueiros margeando uma faixa de areia branca e limpa e um mar de cor verde intenso que costumam ilustrar nossa visão de um paraíso tropical. E estava deserta. E havia piscinas! Infelizmente o mar estava “batido”, expressão que se usa quando o mar fica com muitas ondas, que levantam o sedimento do fundo e tornam a água turva. Ficamos um pouco na água e logo saímos. Depois, enquanto meu filho e minha esposa se distraíam conversando com dois pescadores de lagosta (infelizmente ainda pegam as poucas lagostas e polvos que restam nesse litoral), resolvi andar até a próxima praia para ver se havia mais piscinas. Ao dar a volta na ponta que separava as duas praias levei um susto. A outra praia, distante pelo menos alguns quilômetros de qualquer urbanização, estava completamente tomada por resíduos plásticos. Alguma conjunção das correntes litorâneas havia concentrado o lixo naquele lugar. Tinha tudo que você poderia imaginar. Muitas garrafas PET, é claro, mas também frascos de produtos de limpeza, sacos de embalagem, fragmentos de redes, a até de brinquedos – uma boneca sem olhos nem cabelos me olhava desesperadamente do fundo de suas órbitas vazias como se eu pudesse salvá-la de um fim trágico, que já havia acontecido1.
Na coluna da semana passada falei sobre quatro processos que estão causando uma deterioração dos oceanos: (1) aquecimento das águas; (2) acidificação; (3) pesca predatória e (4) eutrofização. E mencionei que havia um quinto fator, a poluição plástica, que merecia uma coluna adicional. Pois este é o assunto de hoje, em que vou descrever o que está acontecendo com os oceanos e a vida marinha, e um pouco sobre como os plásticos estão afetando nossa saúde2.
Quando vemos uma praia suja, como a que eu relatei acima, tendemos a jogar a culpa nas pessoas que jogam lixo nas praias ou nos rios próximos. Em parte, elas são sim culpadas. Mas a situação é mais complicada do que isso. Na verdade, os culpados somos todos nós.
Produção e Descarte de Plástico
Ainda que os primeiros alertas sobre a poluição plástica tenham sido feitos há muitas décadas, nós continuamos produzindo plásticos de maneira desenfreada. Nos primeiros vinte anos do século XXI fabricamos mais plástico do que em todo século XX. Todos os anos, 240 bilhões de galões de petróleo (1 galão corresponde a 4,8 litros) são consumidos apenas na fabricação de garrafas plásticas. Aquele hábito saudável de andar por aí carregando uma garrafinha plástica para se hidratar pode ser bom, no momento, para as pessoas, mas é péssimo para o meio ambiente.
Somente nos Estados Unidos, a cada ano, 38 bilhões de garrafas plásticas são jogadas fora. Isso significa 2 milhões de toneladas. No Brasil, todos os anos, 4,7 bilhões de garrafas são jogadas na natureza (ou seja, já descontando as recicladas).
Em um ano, cada pessoa do planeta descarta, em média, 136 quilos de plástico. A produção atual de plástico no mundo é de cerca de 300 milhões de toneladas. Se a tendência atual continuar, em 2050, com 10 bilhões de pessoas, e o aumento do padrão de vida de muitas delas (o que em si é bom), fabricaremos cerca de 900 milhões de toneladas.
A indústria tenta vender a ideia de que a solução para o problema do plástico é a reciclagem. Mas o fato é que, excluindo as embalagens maiores, como as garrafas PET, que são mais facilmente recicláveis, apenas 9% do plástico produzido no mundo é reciclado (o índice no Brasil é ainda pior: 1,28%). Por isso, segundo várias organizações, a reciclagem de plástico é um conceito fracassado.
A solução é substituí-lo. Mas basta olhar à nossa volta para concluirmos que isto será muito difícil. Talvez este seja o mais desafiador de todos os problemas ambientais que enfrentamos.
Plástico nos Oceanos
A UNEP (sigla em inglês do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) estima que, a cada ano, cerca de 11 milhões de toneladas de plástico vão parar nos oceanos, causando a morte de 100 mil animais marinhos.
O equivalente a um caminhão de lixo plástico é jogado no mar a cada minuto. E vai se juntar aos 150 milhões de toneladas que já estão flutuando. A ONU estima que, se mantidas as condições atuais, em 2050 haverá mais plásticos do que peixes nos oceanos.
Os países mais desenvolvidos são os que mais produzem plástico. Mas também são os que mais reciclam ou armazenam os resíduos plásticos em aterros sanitários. Os maiores poluidores dos oceanos são os países em desenvolvimento, que descartam muito plástico direto nas águas.
O país que mais despeja plástico nos oceanos é as Filipinas (uma nação formada por milhares de ilhas), que é responsável por um terço de todo o plástico jogado nos oceanos. Depois vem a Índia (12,92%), Malásia (7,46%), China (7,22%) e Indonésia. O Brasil vem em sexto lugar (3,86%), sendo o único das Américas entre os grandes poluidores. Mas todos os países costeiros ou com rios que eventualmente desaguam na costa tem sua parcela de responsabilidade.
Os dados acima mostram como o problema da poluição plástica nos oceanos é complicado. O plástico é despejado no mar nos mais diferentes locais do mundo. E uma vez nos oceanos os detritos são carregados pelas correntes marinhas por longas distâncias.
Em todos os oceanos há correntes giratórias, denominadas de “giros” (gyres em inglês), que se movem no sentido anti-horário no hemisfério sul e no sentido horário no hemisfério norte. Os giros são interconectados pelas correntes equatoriais e pela Corrente Circumpolar Antártica. Assim, um objeto jogado ao mar na costa do Brasil pode, por exemplo, ser levado para a costa da África, ou para o Atlântico Norte, ou até chegar Oceano Índico ou ao Pacífico.
A ação dessas correntes acaba concentrando o lixo em certas áreas. Você já deve ter ouvido falar na grande mancha de plástico do Pacífico. Trata-se de uma enorme faixa no Pacífico Norte, em que há uma grande concentração de lixo, principalmente plástico. Essa mancha tem uma área de 1,6 milhões de quilômetros quadrados. É maior que toda a região Sul do Brasil. Há ainda faixas de lixo no Atlântico Sul e no Atlântico Norte.
Uma informação interessante e importante, e muito pouco divulgada, é a de que a maior parte do lixo plástico encontrado nesses locais é resíduo de material de pesca. E por que não ouvimos falar mais sobre isso? Talvez porque um dos maiores financiadores das organizações que combatem a poluição plástica nos oceanos seja justamente a indústria pesqueira!
O plástico que boia nas águas é frequentemente confundido com peixes pelos predadores maiores e pelas aves marinhas. Há estudos que mostram que 90% das aves marinhas já engoliram plástico alguma vez na vida. Muitas morrem sufocadas ou intoxicadas pelas substâncias químicas contidas no plástico, como veremos abaixo.
E ainda há um importante segmento da economia que está e será muito mais afetado pela poluição plástica: a indústria do turismo. Afinal, quem quer frequentar uma praia ou se banhar em águas cheias de resíduos plásticos? Há uma ironia aqui. A mesma indústria que despreza a sustentabilidade destruindo ecossistemas essenciais para a vida marinha, como os manguezais, a fim de instalar os seus resorts, será vítima desse tipo de atitude.
Microplástico
Por mais que os detritos plásticos que nós enxergamos boiando nas águas ou sujando as praias sejam prejudiciais, há um tipo de poluição invisível e muito mais danosa: o microplástico. O microplástico ocorre em todos os lugares do mundo. O plástico lançado no mar se degrada em pequenas partículas devido à ação de raios ultravioleta, fricção dos objetos por ação das ondas ou mesmo ação do sal. Calcula-se que o número de partículas de microplástico e nanoplástico (no caso de serem muito pequenas) já esteja em centenas de trilhões. Estima-se que no mar existam 3,5 trilhões de peixes. Ou seja, já há microplástico suficiente para que cada peixe contenha pelo menos centenas de partículas. Um número que aumenta todos os dias.
Portanto, não é surpreendente observar que o microplástico esteja se infiltrando em todos os seres vivos dos oceanos. E nos que se alimentam deles, como as aves, e nós. Se ele fosse inerte, ou seja, apenas uma partícula física incorporada ao corpo dos seres vivos, talvez não representasse um perigo tão grande (ainda que evidências recentes indiquem que pode estar associado ao entupimento de veias, causando AVCs e ataques cardíacos).
No entanto, para produzir o plástico, a indústria usa uma série de compostos químicos que lhe garantem maior resistência e maleabilidade, entre outras propriedades úteis. Esses compostos são tóxicos. Muitos são desreguladores endócrinos, ou cancerígenos. O microplástico carrega as toxinas para dentro dos peixes, que se acumulam na carne, que é comida por outros animais. Quanto mais alto está o peixe na cadeia alimentar (como o atum), maior a concentração de toxinas. É assim, ao consumir os peixes, que os humanos incorporam o microplástico e suas toxinas em seus corpos.
Confesso que, depois de saber dessas coisas, está sendo difícil retornar àquele restaurante de frutos do mar de que tanto gostamos.
O homem de plástico vai morrer sufocado?
O plástico já foi sinônimo de modernidade (lembra da música do Fantástico: …da idade da pedra, ao homem de plástico…?). Hoje é um componente essencial da vida moderna. Mas está se tornando um enorme problema, que teremos que resolver antes de, literalmente, sermos envenenados e sufocados num planeta inundado de plástico.
1Texto extraído, com adaptações, do livro “Planeta Hostil”, de minha autoria, publicado este ano pela Editora Matrix, de São Paulo. Pode ser adquirido no seu site: matrixeditora.com.br e na Amazon.
2Esta coluna foi em parte baseada nos capítulos sobre os oceanos e sobre poluição plástica do livro “Planeta Hostil”.
Observação final: Para vídeos e textos adicionais confira também meu Instagram @marcomoraesciencia.
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Foto da Capa: Grande Mancha de Lixo do Pacífico | Ocean Cleanup