Nem tudo é celular, telinha pequena. Nem tudo é aplicativo de tevê, Netfilx, Mubi. Nem tudo é cama, poltrona, quarto, sala de casa. O cinema está aí e justifica plenamente a sua importância com um filme como Pobres Criaturas.
Dirigido pelo cineasta grego Yorgos Lanthimos e baseado no romance de mesmo nome, escrito pelo inglês Alasdair Gray, o longa de duas horas e vinte e um minutos nos entrega todo o prazer estético de olhar para uma tela enorme.
Cenários, locações, direção de arte, trilha, tudo o que a experiência cinematográfica pode oferecer é aproveitado com extrema qualidade nessa obra. Mas não se reduz aos aspectos técnicos o acerto do filme. A construção narrativa é muito bem pensada.
Um outro grego, o filósofo Aristóteles, falava em verossimilhança. Diferentemente do que o termo aparenta, na sua Poética, estudo em que analisa a tragédia, ser verossímil está ligado a fazer sentido dentro da estrutura criada. Não se trata de ser possível ou verdadeiro na vida real. Mas sim de ser justificável no universo criado.
Os dois filmes de Lanthimos a que assisti, Dente Canino e Pobres Criaturas, seguem esse caminho. Se olharmos algumas resenhas na internet, os textos se referem às suas histórias como bizarras. Adjetivar dessa maneira demostra que a recepção crítica está imersa na ideia rasa de verossimilhança como algo comum, como a vida normal. Ideia que guia a esmagadora maioria da produção narrativa, sobretudo a do cinema dos Estados Unidos.
Outra do Aristóteles, falando da tragédia, mas podemos pensar para toda criação narrativa: é preferível o impossível crível ao possível incrível. Pobre Criaturas lida com o impossível, uma personagem que morreu e volta à vida, pois seu cérebro foi trocado pelo do bebê que ela carregava em seu ventre. A operação foi feita por um cientista, num procedimento ao estilo de outra narrativa de sucesso, Frankenstein, de Mary Shelley.
Assim, como nesse seu predecessor, o impossível é crível, ou seja, dentro do universo criado faz todo o sentido.
E, tal qual a tragédia grega, que tinha a função de nos fazer purgar os nossos próprios males, Pobres Criaturas esfrega na nossa cara a sociedade patriarcal. A personagem, interpretada magistralmente por Emma Stone (foto da capa), desmonta todas as amarras e proibições que recaem sobre o corpo e o desejo sexual feminino.
Ao final, o macho, e não vou dar spoiler, acaba no lugar que merece. Com grandes atuações também de Mark Ruffalo e Willem Dafoe, já ganhou o Leão de Ouro em Veneza e concorre a onze categorias no Oscar. É filmão, feito com grana. Mas o dinheiro foi muito bem empregado. Levanta do sofá, desliga a tevê, tira os olhos do celular e vai ver.
Foto da Capa: Divulgação