Suíte Número 1 de Bach – começa o prelúdio
O sol surpreende a praia nada preparada para o veraneio.
Seu tom é sutilmente róseo,
róseo o suficiente para superar os tapumes desleixados,
tornando-os espelhos aqui ali e acolá.
Perto dessa coisa vaga, chega o casal,
vindo de lugar nenhum
e sem escovas de dentes
nem roupas para a reposição
depois dos passos das horas.
Espiam a nudez
e a improvisam
em espaços de areia:
nada devem ao mar,
em termos de beleza,
vastidão, movimento.
Brincam com uma bola
baldia e desbotada,
na displicência séria
de lá para cá
e com folguedos
nos dois corpos
(só nas peles,
por enquanto),
sempre que a bola para:
parecem crianças,
mas não são,
estão indevidamente
crescidos.
Mal comem, mas comem
e abrem juntos um amor
que engole todas as faltas,
incluindo as que há
nesse texto, ou
qualquer outro.
Quando este amor terminar em breve,
a praia, quase pronta para o veraneio,
retomará o disfarce dos preparativos
do que se apresenta como definitivo,
e o sol inesperado terá menos valor,
por mais que o resto
de tom róseo insista
em acordar os
espelhos-tapumes.
O texto precisará,
então, ser retomado
para ocupar o rombo
dessa vida, fora dele.
Fora dele, só podemos tentar adiar
as tragédias de um lugar preparado
para receber presenças burocráticas,
e aquela de uma arte resignada
de contar a vida
que não há
ou acabou.
Fim do Prelúdio da Suíte Número 1 de Bach
Foto da Capa: Freepik / Gerada por IA
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