O poeta estadunidense Ezra Pound deu excelentes contribuições no seu trabalho crítico para a compreensão da arte da poesia. Uma delas é a sua divisão dos recursos criativos poéticos em logopeia, melopeia e fanopeia.
A primeira diz respeito ao logos, às ideias, ao significado. Ele fala em dança das ideias entre as palavras. A segunda é fundada na melodia, no som das palavras. E a terceira é a que se ampara nas imagens, naquilo que enxergamos, como se o poeta pintasse com palavras.
Na verdade, depois um tempo me dei conta, esses três níveis estão na própria palavra. Ela é ao mesmo tempo três coisas. Uma palavra tem um significado, tem um som e, quando escrita, é um desenho.
Ezra Pound aponta que há poetas mais das ideias, outros mais dos sons e outros mais das imagens. Eu penso que harmonizar essas três faces é uma boa solução estética para se chegar a um poema bem realizado.
Digo isso tudo para falar das letras das canções do Djavan. Ele é um criador da linhagem da fanopeia, da construção de imagens. A sonoridade vem logo em seguida. Os poetas, e letristas, imagéticos nos colocam numa experiência estética como a das artes visuais.
Quando estamos diante de um quadro de um pintor, a vibração das cores, os efeitos de luz, as deformações das figuras, tudo isso nos leva a vivenciar um universo em que não nos ocorre perguntar “O que isso quer dizer?”, pois não se trata de dizer e sim de ver.
Djavan canta: “Assim que o dia amanheceu lá no mar alto da paixão”. Onde é isso? Não importa. Existe um mar alto da paixão? Agora existe. Antes não. Por isso, é uma criação. Uma imagem que nasceu para ser vista e ouvida nessa canção.
E segue: “Dava pra ver o tempo ruir/Cadê você?/Que solidão/Esquecera de mim?”. Então esse mar alto é um lugar perigoso para a paixão. De lá já dava pra ver o tempo ruir. Tempo rui? Quem vive sabe que sim.
Quem ama sabe mais ainda. Porque, como canta o compositor em mais essa imagem bonita, “Amar é um deserto e seus temores/Vida que vai na cela dessas dores/não sabe voltar.”
Um dos livros mais bem realizados na construção de imagens que já li da poesia brasileira é do poeta Armindo Trevisan. O título é A mesa do silêncio. Foi lançado em 1982 pela editora L&PM e nunca mais foi reeditado. Mereceria uma edição comemorativa, comentada, capa dura. Ou virar um pocket pra chegar às mãos do maior número de pessoas possível. Procure num sebo. É fanopeiano mais alto grau de realização.
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