Pogrom, essa foi a palavra que estávamos discutindo enquanto eu estudava com meu filho, Beni, de 12 anos. Ele está estudando, no colégio, a imigração judaica no Rio Grande do Sul, tentando entender como os seus ancestrais vieram para o Brasil e, mais especificamente, para o nosso Estado, onde tivemos duas colônias judaicas: Philipson, perto de Santa Maria, e Quatro Irmãos, próxima a Erechim.
Segundo a Enciclopédia do Holocausto, “pogrom é uma palavra russa que significa “causar estragos, destruir violentamente”. Historicamente, o termo refere-se aos “violentos ataques físicos da população em geral contra os judeus, tanto no império russo como em outros países.”
A palavra rodou o mundo quando, em 1881, ocorreu o assassinato do czar Alexandre II em um atentado praticado por um grupo anarquista. Sua morte foi seguida de violentos ataques contra os judeus que viviam no Império Russo, que, à época, abrangia numerosas comunidades judaicas como as dos países bálticos, Ucrânia, Moldávia e Polônia.
Os assassinatos, estupros e a destruição e saques dos templos, casas e negócios de judeus tinham a conivência ou até mesmo o apoio das autoridades e da polícia. Após essa onda de violência, o czar Alexandre III editou uma série de leis infernizando a vida e retirando direitos dos judeus que viviam lá, enquanto a violência contra os judeus era constante.
O reinado de Alexandre III foi marcado pelo crescente autoritarismo, pelo fim da liberdade de imprensa e por uma política de “russificação” com forte repressão às culturas dos demais povos que então compunham o Império Russo, como os poloneses e os ucranianos e a promoção da Igreja Ortodoxa Russa e o idioma russo. O czar é um dos modelos de Vladimir Putin, que inaugurou estátuas de Alexandre III para comemorar a anexação da Crimeia na década passada.
A combinação mortal de discriminação, miséria e violência levou centenas de milhares de judeus a abandonar a Rússia e se espalhar pela Europa e pelo mundo, no que hoje chamaríamos de crise migratória ou humanitária.
Uma das iniciativas mais marcantes da época foi liderada pelo Barão Hirsch, um filantropo judeu que foi responsável por retirar multidões de lá e trazê-las para alguns dos destinos mais sonhados: o Brasil e Argentina. Foi nesse contexto que foi criada Philipson, em 1903, colônia agrícola que recebeu dezenas de famílias de migrantes.
A violência antissemita se acentuava durante as crises russas ou quando o regime czarista balançava. Em 1905, há uma tentativa de revolução socialista e a culpa, mais uma vez, foi lançada sobre os judeus, grupo mais vulnerável e sujeito à discriminação naquelas terras. Pogroms ocorreram em todo Império e, no domingo de Páscoa daquele ano, na cidade lituana de Dusetos, onde vivia a família do meu avô paterno, uma multidão atacou casas e negócios de judeus, espancando-os e chegando a matar uma pessoa.
Foram imigrantes que fugiram após as ondas de brutalidade do início do século XX que fundaram outra colônia agrícola judaica em nosso estado: Quatro Irmãos. Esse foi o lugar onde minha avó nasceu, onde conheceu meu avô, e onde meu pai e seus irmãos e irmãs passaram a infância. De lá, vieram para Porto Alegre, onde eu nasci, onde meus filhos nasceram, onde meus antepassados sonhavam uma vida nova em que não sofressem perseguição.
Pogrom é uma palavra russa, porém a violência contra pessoas e grupos vulnerabilizados não é uma exclusividade daquele país ou daqueles tempos. Assim como os judeus de lá, aqui também temos grupos de pessoas diferentes dos donos do poder que sofrem com a violência estatal e policial ou com sua omissão. Terreiros são vandalizados como sinagogas também eram, mães de santo são mortas como rabinos também foram assassinados enquanto protegiam suas comunidades e o que lhes era mais sagrado.
O progrom não se esgotava na sua violência, para que ela surgisse, suas vítimas tinham antes de passar por um processo de desumanização, serem chamadas de inferiores, criminosos, sua cultura ser menosprezada, sua religião ser atacada, o acesso aos direitos à educação e ao trabalho dificultado e mandados para a periferia dos grandes centros para viver em condições insalubres. Pogrom pode ser uma palavra russa, mas a exclusão e a violência contra os vulnerabilizados está bem perto de nós.
Foto da Capa: Funeral de vítimas do pogrom, em 1946, na Polônia. US Holocaust Memorial Museum