As águas vão baixando e vem à tona o prejuízo material, recuperável, embora a muito custo, e o imaterial, irrecuperável, com o qual os prejudicados terão que aprender a conviver. Daqui a pouco, sairão de cena os voluntários, os vizinhos solidários.
Mas vão sair só da cena midiática. Porque continuarão protagonistas da cena cotidiana e dura do recomeço que vem aí para muita gente. O voluntariado e a solidariedade ainda serão protagonistas nessa tragédia por muito tempo.
Agora é a hora dos parlamentares, dos governantes, municipais, estaduais e federais e das lideranças empresariais entrarem em cena. E se eles, alguns responsáveis diretos, muitos coautores, outros tantos patrocinadores do roteiro mórbido dessa tragédia, se mirarem só um pouquinho no comportamento do povo, teremos, pelo menos, o começo da mudança na nossa cultura política.
E 2024 tem as condições perfeitas para essa mudança. É tempo de campanha eleitoral. Mas não esperemos tanta espontaneidade dos políticos como essa que vimos do povo em apoio às vítimas da tragédia. Eles, os políticos, como se sabe, agem sob pressão.
Portanto, para que os partidos deixem o raso das disputas por nacos de sombra no permanente bom tempo dos cargos públicos e mergulhem fundo no debate sobre o que realmente é preciso fazer para garantir vida melhor neste Brasilzão de secas e enchentes, é preciso pressioná-los. Há tempo melhor para pressionar políticos do que nas campanhas eleitorais?
Pressionar para mostrar que fazer política é bem mais do que barganhar apoio no Congresso Nacional, do que trocar aprovação de projetos por cargos públicos, do que andar para lá e para cá, de legenda em legenda, em busca daquele cujo cacique apareça bem avaliado em pesquisas de opinião, do que bater na porta do eleitor para pedir voto…
Aliás, sobre pedir voto, lembro o argumento do deputado federal Luiz Carlos Busato, presidente do União Brasil no Rio Grande do Sul, em defesa do adiamento da eleição marcada para 6 de outubro:
– O ambiente é difícil, não haverá nem clima para chegar na casa das pessoas e pedir voto.
O argumento dá bem a medida da grandeza que alguns dão à atividade política. Em plena destruição do estado, com gente morrendo, gente perdendo tudo, ele lembrou só das próprias dificuldades quando disse isso aí.
Não lembrou de aproveitar o tempo da campanha para ouvir a população, debater projetos de reorganização urbana e fundiária das cidades, projetos de realocação das comunidades de áreas de risco, apresentar propostas para recuperação dos empregos de tanta gente que viu a empresa onde trabalhava ir por água abaixo…
Vai ser mais difícil organizar a eleição? Vai. Mas não será tão difícil quanto reorganizar tudo o que foi levado pela enxurrada. Aprendendo um pouquinho com o povo, repito, os homens públicos podem fazer emergir dessa enchente uma nova cultura política onde seja preciso mais do que bater às portas do eleitorado de quatro em quatro anos.
E fazer o que ensinou Ulysses Guimarães em discurso lá na década de 1990:
– “O homem público é o cidadão de tempo inteiro, de quem as circunstâncias exigem o sacrifício da liberdade pessoal, mas a quem o destino oferece a mais confortadora das recompensas: a de servir à Nação em sua grandeza e projeção na eternidade”.
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