Nas quatro semanas do mês de julho ocorreram dois grandes eventos. Ambos são analisados aqui no nível das políticas públicas. Esses eventos podem lançar luz sobre como são fomentadas as práticas sociais, políticas, culturais e esportivas, entre outras, no Brasil e na França.
No Brasil, a ministra do Esporte, Ana Moser, está sob forte pressão das forças políticas contemporâneas. Entre controvérsias, desinformações e fakenews, a ministra do Esporte se movimenta internacionalmente “para trazer ao Brasil a edição de 2027 da Copa do Mundo de Futebol Feminino,” confira notícia aqui. Na agenda política das danças das cadeiras ministeriais, o Ministério do Esporte, a cabeça de Ana Moser, está na mira de muitos grupos de interesses econômico e partidos políticos. O imbróglio é a governança do Governo Federal eleito por uma Frente Ampla de largo espectro partidário-ideológico (de liberais até socialistas e democratas). Na análise de alguns partidos políticos, a ministra do Esporte é pouco eficaz na proposição de políticas públicas no âmbito esportivo.
Na França, nosso vizinho geopolítico (lembrando que o território ultramarino da Guiana Francesa é solo oficial francês), no âmbito da “Volta à França”, ou mais conhecido como Tour de France, as políticas públicas podem ser vistas em suas várias camadas e instâncias (e eficácia). O Tour foi realizado pela primeira vez na história em 1903, confirme aqui. De lá para cá, o evento penetrou em várias escalas. O evento deste ano teve 21 etapas (distribuídas ao longo das regiões francesas), 3.404 km, participação de dois países (começou em Bilbao na Espanha e terminou em Paris na França) e mobiliza uma série de ministérios e políticas públicas na França. Da política de transição energética até as políticas de educação e cadeias produtivas locais.
Ao lançar um olhar comparativo entre as políticas públicas e seus efeitos a partir da esfera esportiva, o caso do Tour de France pode nos ajudar minimamente a refletir sobre que tipo de política desejamos fomentar e construir para ordenar as sociedades e comunidades distribuídas no território continental do Brasil.
Sim, o Brasil é um continente. O Brasil possui uma distância de 4.394 km entre o Monte Caburaí (RR) e o Arroio Chuí (RS). E uma distância de 4.319 km entre a Nascente do Rio Moa (AC) e a Ponta do Seixas (PB). Como estimular uma política pública esportiva no Brasil conseguindo envolver os 8.700 km (só entre extremos cardinais)? A França possui cerca de 1.000 km de um extremo geográfico ao outro. O Brasil tem 8,5 milhões de km2. A França 0,5 milhão. O Brasil é um continente e precisa de políticas continentais.
A França, a seu modo, consegue isso com o Tour de France. Ao longo de quase um mês, amantes do ciclismo, como este colunista, acompanham de perto não só os desafios esportivos e os esforços das ciclistas e suas equipes, mas as diferentes matizes das políticas públicas francesas. Impressiona observar como as comunidades, às vezes de 300 habitantes ou menos, se mobilizam em torno do evento. Da cadeia de alimentos locais até as estruturas de hospedagem.
Não se trata de um turismo inconsequente. De um lado, os turistas podem até serem enquadrados como “comedores de paisagem” insaciáveis que nada deixam para as comunidades locais (Krippendorf 1989). De outro, os vários grupos envolvidos na organização direta e indireta criam estruturas que conectam essas comunidades e possibilitam canais de trocas de ideias, crenças, valores e materiais em várias escalas.
Este ano, uma das patrocinadoras é a fabricante de automóvel Škoda, que nasceu na República Tcheca em 1925, que atualmente se mobiliza para a necessária e crucial transição energética (e também social, esperamos). Ao se envolver em uma empreitada de ciclismo — com todas as críticas destrutivas possíveis —, essa montadora passa por mentes e corações ao longo de 3.404 km levando a ideia de que se mover com energia renovável é um horizonte político nos novos tempos. Tempos de aumento de eventos climáticos extremos. Tempos que requerem políticas pós-fóssil (ao contrário da Petrobrás, no Brasil, em desejar aumentar a exploração de petróleo na Foz do Amazonas).
No Brasil, aparentemente estamos discutindo políticas públicas esportivas só a partir do futebol. Como se esse esporte fosse o único digno de ser colocado no holofote das políticas públicas. E nada contra o futebol. Em parte, as críticas à gestão da ministra do Esporte se explica pela falta de capacidade de fomentar e construir políticas públicas amplas e integradas. Amplas, em relação à diversidade de esportes que deve ser considerado no Brasil de norte ao sul e de leste ao oeste. Integradas, em relação às interfaces com outros ministérios, como o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Ministério de Minas e Energia, Ministério das Indústrias, Ministério do Turismo, Ministério de Transporte e Ministério da Educação, só para citar alguns.
Que venha o mês de agosto e os possíveis aprendizados com nosso vizinho francês, mas lembremos: o Brasil é um continente e precisa de políticas continentais.
Sugestão de leituras
- Krippendorf, Jost. Sociologia do turismo: para uma nova compreensão do lazer e das viagens. Civilização Brasileira, 1989.
- Faria, Carlos Aurélio et al. (org.). Políticas públicas na América Latina. Editora da UFRGS, 2016.