Todos nós usamos o termo “música pop” (pop music em inglês), no sentido de música popular. Há rádios, programas, livros, dedicados ao assunto, ou à sua versão brasileira, a MPB. Na verdade, o termo original que criou a expressão “pop” foi “Arte Pop”, ou Pop Art, em inglês, que foi proposto pelo crítico britânico Lawrence Alloway, em 1958, para designar a “arte popular” que estava sendo criada pela cultura de massa. Mas a coluna de hoje não é sobre o pop popular. Mas outro tipo de “pop”, os poluentes orgânicos persistentes (acrônimo: POPs, tanto em inglês como em português). Pouco conhecidos, mas muito mais comuns do que você imagina. E extremamente perigosos. Os poluentes orgânicos persistentes são substâncias químicas orgânicas (ou seja, moléculas cuja estrutura é construída à base de átomos de carbono) sintéticas, que se diferem de outras substâncias químicas por possuírem uma combinação particular de características físicas e químicas que as tornam muito úteis para a indústria, e nocivas à saúde de todos os seres vivos.
Tais características incluem: semivolatilidade (que as torna mais móveis, aumentando seu potencial de contaminação), persistência, bioacumulação e elevada toxidade. Já vimos essas propriedades quando falei sobre o mercúrio na coluna da semana passada. A principal diferença aqui é que os POPs estão ainda mais disseminados no mundo e mais perto de você do que o mercúrio.
Vou apresentar a seguir exemplos dos POPs mais comuns. Como são substâncias orgânicas, seus nomes geralmente são um tanto “esquisitos” (você deve lembrar, sem muita saudade, das aulas de química orgânica). Mas há algumas dicas simples para sabermos mais sobre a molécula apenas vendo seu nome. Por exemplo, o ácido perfluoroctano sulfônico (só o nome já assusta!), como é um ácido, já sabemos que contém hidrogênio. Além disso, deduzimos que contém flúor, oito átomos de carbono (octano) e enxofre (quem em latim se denomina sulphur). O mesmo raciocínio se aplica aos outros POPs.
PFAs
São as substâncias perfluoquiladas (o ácido citado acima é um tipo de PFA), que incluem uma família de milhares (você não leu errado!) de substâncias químicas sintéticas amplamente utilizadas pelas indústrias e já profundamente disseminadas no meio ambiente. Todos esses compostos apresentam a ligação carbono-flúor, que é uma das ligações mais fortes da química orgânica. Isso significa que resistem à degradação tanto durante sua utilização, como após serem liberadas para o ambiente.
As PFAs podem ser gases, líquidos ou polímeros sólidos de alto peso molecular. Sua principal característica é exatamente a que os torna tão perigosos: são extremamente estáveis, inclusive sob intenso calor. E onde em sua casa você precisa de utensílios resistentes ao calor? Na cozinha!
As PFAs estão, por exemplo, nos revestimentos antiaderentes tão apreciados por quem cozinha (ou lava a louça), nos frascos que podem ser utilizados em micro-ondas, e numa série de outros utensílios da cozinha.
Mas esse é só um exemplo. As PFAs são amplamente utilizadas em embalagens de comidas industrializadas, nas indústrias automotiva e de aviação, na construção civil, na eletrônica e em equipamentos e revestimentos resistentes ao fogo. E em produtos de higiene pessoal, cosméticos, roupas, móveis, tapetes, e mamadeiras…
São muito úteis. Mas fazem mal à saúde.
Entre os riscos da exposição às PFAs estão o nascimento de bebês com baixo peso, aumento da pressão arterial da mulher durante a gravidez, interferência no desenvolvimento do feto, aumento do risco de câncer para a população em geral, danos ao sistema imunológico e aumento dos níveis de colesterol. Apesar de serem usados há décadas, estudos sobre os impactos das PFAs nos humanos e no meio ambiente só se tornaram mais comuns nos últimos anos.
Bifelinas Policloradas (PCBs)
As bifenilas policloradas, conhecidas como PCBs, são hidrocarbonetos aromáticos (o termo aromático significa que a molécula é estruturada na forma de “anéis” de moléculas de carbono, também chamados de anéis de benzeno). O termo bifenila se deve ao fato de as moléculas terem dois daqueles “anéis”, e são cloradas porque os anéis apresentam átomos de cloro em suas terminações.
As PCBs são utilizadas em muitas indústrias, como fluidos para capacitores e transformadores elétricos, turbinas de transmissão de gás, fluidos hidráulicos, resinas plastificantes, adesivos, aditivos antichama e lubrificantes.
As PCBs são extremamente tóxicas.
Por isso, estão entre os poluentes orgânicos prioritários para banimento. A exposição humana às PCBs pode ocorrer por via oral, respiratória e dérmica. A exposição crônica às PCBs causa alterações hepáticas, imunológicas, oculares, dérmicas e na tireoide, efeitos neurocomportamentais, redução de peso ao nascer, toxidade reprodutiva e aumento na incidência de tumores.
Bisfenol A (BPA)
O BPA é uma pequena molécula constituída por dois anéis de benzeno com um átomo de oxigênio e um de hidrogênio em cada ponta. O BPA pode reagir com outras moléculas baseadas em carbono para formar longas cadeias. Quase todo o BPA produzido no mundo é utilizado para produzir plásticos, principalmente um tipo específico de plástico chamado policarbonato.
Os policarbonatos derivados do BPA são transparentes, incrivelmente fortes, leves, e não derretem ou perdem sua integridade estrutural em condições normais de calor ou salinidade. Essas propriedades fazem dos policarbonatos excelentes para fabricar muitas coisas, como embalagens, garrafas de água, e até diferentes tipos de embalagens.
O maior problema com o BPA (e com vários outros POPs) é que ele é um desregulador endócrino.
Isso ocorre porque essas moléculas são confundidas pelo organismo com os hormônios naturais, que passa então a produzi-los em menor quantidade. O BPA pode causar sérios problemas no desenvolvimento infantil (por conta dos hormônios de crescimento), e outros problemas relacionados como hipotiroidismo, disfunções associadas à testosterona, e muitos outros efeitos nocivos.
Embora países como os Estados Unidos e a União Europeia tenham limitado o uso do BPA, ele ainda é muito utilizado em todo o mundo, e pode estar causando problemas de saúde e até morte de milhões de pessoas.
Dioxinas
As dioxinas são POPs organoclorados semelhantes às bifenilas cloradas. Estão entre as substâncias mais tóxicas conhecidas atualmente. As dioxinas não são fabricadas diretamente pela indústria, mas resultado da incineração de diversos produtos, ou resíduos da produção de produtos químicos clorados, especialmente o PVC (policloreto de vinilo).
Como não são fabricadas diretamente, sua produção não pode ser regulamentada, de modo que as dioxinas continuam a ser produzidas e se espalhar pelo planeta de forma basicamente não-controlada.
As dioxinas são reconhecidamente cancerígenas, e afetam o sistema imunológico, o sistema reprodutivo, o crescimento, e o sistema hormonal (sendo, portanto, desreguladores endócrinos).
As dioxinas podem permanecer no ambiente durante milhares de anos e ser transportadas por todo o planeta por via aérea ou aquática. Já foram detectadas nos cantos mais remotos da Terra. Dissolvem-se em gordura, como a maior parte dos POPs, e acumulam-se na cadeia alimentar. Consequentemente, os predadores superiores, que incluem os humanos, podem apresentar concentrações muito elevadas. Elas também são transferidas de mães para filhos, via o leite materno.
Agrotóxicos
Os agrotóxicos utilizados na lavoura são muitas vezes chamados por seus produtores de “defensivos agrícolas”, um termo bem mais palatável. No entanto, ainda que haja alguns produtos que utilizam substâncias naturais pouco ou nada tóxicas, na maioria dos casos trata-se de veneno mesmo.
E a maior parte deles são POPs. Dentre os quais um dos primeiros a ser produzido e provavelmente o ainda mais conhecido é o inseticida conhecido como DDT, que é um composto organoclorado, cujos efeitos são semelhantes aos exemplos anteriores.
O DDT e a maior parte dos inseticidas organoclorados são proibidos para uso nas lavouras. Mas seus resíduos ainda são um problema no mundo todo. Hoje em dia é difícil encontrar uma pessoa que não tenha pelo menos traços desses venenos.
Os pesticidas organofosforados surgiram como alternativas aos organoclorados, pois seriam mais “ecológicos”. Incluem uma grande quantidade de agrotóxicos, dos quais o mais conhecido é o glifosato. Essa classe inclui também outros agrotóxicos, como o malathion (que é muito usado no Brasil), o parathion e o dimetoato (vetado na Europa, mas livremente utilizado no Brasil).
Todos esses compostos agem como desreguladores endócrinos. Mas é o glifosato que merece mais atenção, por ser o herbicida mais utilizado no Brasil e no mundo. Promovido como pouco tóxico e menos danoso ao ambiente, o glifosato mata praticamente qualquer planta que entra em contato com ele. Depois de contaminar as plantas pelas folhas, o glifosato é levado até suas raízes, e daí para o solo e o lençol freático.
A ingestão de glifosato tem sido associada a desordens gastrointestinais, obesidade, diabetes, doenças cardíacas, leucemia e muitas outras doenças.
Mas, como o uso do glifosato é relativamente recente, muitas pesquisas sobre seus malefícios ainda estão em andamento. Por isso, seu uso ainda está liberado na maioria dos países.
No Brasil, a lei permite que a contaminação da água por glifosato seja 5 mil vezes maior do que na água potável da União Europeia. Em alimentos como o feijão e a soja, a quantidade permitida aqui é 400 e 200 vezes maior. Notou? Estamos falando da água que você bebe e da comida que você come!
O segundo agrotóxico mais utilizado no Brasil é o 2,4-D. Trata-se do conhecido “agente laranja”, que foi usado no Vietnã pelos americanos para desfolhar as árvores das florestas onde se escondiam os guerrilheiros vietcongs. O 2,4-D é utilizado principalmente para remover ervas daninhas das pastagens.
Semana passada a grande mídia deu destaque à ação de um fazendeiro do Mato Grosso que usou o agente laranja (e mais 25 outros tipos de agrotóxicos) para desmatar áreas protegidas do Pantanal e criar pasto para seu gado (em suas 11 fazendas!).
O 2,4-D é um desregulador hormonal que causa uma série de efeitos nocivos, especialmente nos hormônios da tireoide. Ainda assim, é comum encontrar-se nas publicações ruralistas brasileiras a defesa do uso indiscriminado do 2,4-D por “sua folha de serviços inigualável à agricultura brasileira”.
Intensificação Química
O fato é que vivemos um período de intensificação química descontrolada, que alguns cientistas sugerem que pode ser mais ameaçador à vida humana do que as próprias mudanças climáticas.
Trilhões de toneladas de material quimicamente ativo tem sido descarregadas no ambiente por atividades ligadas à mineração, ao processamento mineral, à agropecuária, à construção civil e à produção de energia.
Além da dispersão antropogênica de químicos naturais tóxicos, os humanos já sintetizaram pelo menos 140 mil produtos químicos e misturas de produtos químicos, a maioria inteiramente artificial. Segundo algumas estimativas, esse número pode ser até maior do que 350 mil.
Só nos Estados Unidos, cerca de 1.500 novas substâncias são introduzidas no mercado todos os anos. Essas substâncias, em sua maioria poluentes orgânicos persistentes, são liberadas pelos órgãos reguladores (nos Estados Unidos a FDA – Food and Drug Administration – e no Brasil pela Anvisa ou Ibama) depois de estudos de curta duração. Mas nós vimos aqui que o principal problema dos POPs é sua acumulação progressiva nos organismos e no meio ambiente. Leva-se anos para se comprovar que uma determinada substância é nociva. Quando ela é finalmente proibida, a indústria já tem outra pronta para substituí-la.
Enquanto isso os médicos se perguntam o que está por trás do aumento de diferentes tipos de câncer (principalmente em pessoas jovens), de problemas hormonais, de ataques cardíacos e AVCs, de doenças autoimunes, problemas neurológicos e inflamação crônica. Nosso estilo de vida pode ser uma das causas. Mas eu desconfio também dos POPs.
1Texto extraído, com adaptações e complementações, do livro “Planeta Hostil”, de minha autoria, publicado este ano pela Editora Matrix, de São Paulo. O livro pode ser adquirido no seu site: matrixeditora.com.br e na Amazon.
Observação final: Para vídeos e textos adicionais confira também meu Instagram @marcomoraesciencia.
Foto da Capa: Freepik
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