A ideia para a coluna desta semana era outra. Mas fiquei muito incomodada com o que andou rolando no grupo de resíduos do POA Inquieta. Em 8 de fevereiro de 2019, quando o grupo foi criado, a ideia era trocar informações sobe o destino de onde colocar aquilo que não se queria mais.
Assuntos relacionados a resíduos circulavam muito no POA Inquieta Sustentável, criado em dezembro de 2018. Desde lá, surgiram muitas conexões. Visitamos Unidades de Triagem (UTs), conhecemos mais sobre quem faz o quê com relação a cadeira dos resíduos, fizemos várias rodas de conversa. E a proposta da aproximação dos mundos de quem consome, destina, separa e encaminha para a reciclagem foi proporcionando trocas e possibilitando sabermos coisas que jamais conheceríamos se não fosse esse contato direto.
No grupo, cada um coloca suas demandas. Onde encaminhar chapas de Raio X, como funciona o 156, alertas de focos de rejeitos, flagras de gente colocando seus restos em lugares errados e muitos outros assuntos estão entre as postagens. Além de notícias, editais, chamadas para reuniões etc. E, nessa semana de carnaval, um apelo dramático desencadeou uma série de comentários. A catadora Núbia Vargas fez um desabafo sobre a situação da Unidade de Triagem da Frederico Mentz, onde fica a Cooperativa Sepé Tiarajú.
Núbia, assim como outros catadores, acadêmicos que pesquisam o tema, empresários entre outras pessoas que se indignam com os resíduos e sujeira espalhada pela rua, usou o espaço para pedir ajuda. Ela colocou no grupo seu desespero frente à situação que vem enfrentando junto com os demais integrantes da cooperativa. A ausência de condições de trabalho e a falta de empatia da atual Administração têm causado mais que problemas: condições insustentáveis para se obter o ganha pão.
Um mês depois do temporal de janeiro
Neste dia 16 de fevereiro, faz um mês que passou por Porto Alegre um temporal com ventos fortes que provocaram muitos estragos na cidade. E boa parte do telhado da UT foi pelos ares. Vale lembrar que já tinha tido um conserto provisório devido às águas de setembro deste ano (agilizado pelo grupo de resíduos do POA Inquieta, onde fizemos a prestação de contas da campanha (confira aqui).
Eis que agora, uma conjuntura de fatores, agravados por eventos climáticos extremos, estão trazendo prejuízos incontáveis para quem vive da venda de recicláveis nas UTs. No momento, três unidades estão com mais problemas para o pessoal trabalhar: a Associação de Trabalhadores de Materiais Recicláveis Santíssima Trindade, no bairro Ruben Berta; a Cooperativa dos Catadores de Materiais Recicláveis da Cavalhada (ASCAT); e a Cooperativa de Educação Ambiental e Reciclagem Sepé Tiaraju (CEAR), na avenida Frederico Mentz, no bairro Navegantes.
Pra mim, que já fiz diversas reportagens sobre esse tema, articulo esse grupo de resíduos, é uma dor difícil de explicar ao me deparar com situações como essa da Núbia. Um sentimento de impotência misturado com indignação. Ela mostrou as condições de trabalho que o pessoal tem enfrentado, mesmo embaixo da chuva. Sim, elas não podem parar. Na CEAR, a água está entrando por cima, pelas paredes, o chão tem ficado completamente alagado em dias de chuva. O vento balança as telhas soltas e ainda e corre o risco de receber um choque devido ao funcionamento da esteira.
Já foram obrigadas a parar depois do dia 16 do mês passado. Ela conta que em janeiro, conseguiram trabalhar do dia 2 ao dia 15. O que resultou em cerca de 300 reais para cada um. Os catadores e as catadoras recebem por quilo do que conseguem comercializar. E atualmente o valor dos recicláveis está muito baixo. Só para ter uma ideia, hoje se paga R$0,43 por kg de papelão kraft (aquele marrom de caixa), quando durante a pandemia chegaram a receber por R$1,10 o kg.
Só para contextualizar, a Capital manda para o aterro em Minas do Leão 1.600 toneladas por dia de resíduos. Cerca de 4% dos resíduos da cidade são enviados à reciclagem.
Assim como ela, a categoria reivindica que o serviço prestado seja remunerado, pois metade do tempo o pessoal se dedica à separação do que pode ser reciclável do rejeito. Núbia está indignada com o que tem vindo parar na esteira: rejeito de clínicas, como sonda, agulhas, testes diversos, fraldas descartáveis, restos de cabelo, papel alumínio com tinta de salões de beleza. Então, por que não há um controle maior sobre o que vai parar lá? Porque o pessoal da Cootravipa pega esse tipo de resíduo?
Núbia e o restante do pessoal que está com as edificações comprometidas, aguardam a liberação da verba por parte da Prefeitura para que os consertos sejam agilizados. E já foram feitas vistorias, relatórios, orçamentos para resolverem os estragos de setembro do ano passado. Com a chuvarada de janeiro, a situação só se agravou.
A jornalista Bruna Suptitz, do Jornal do Comércio, da coluna Pensar a Cidade, esteve na terça de carnaval na UT. Ela relatou que é chocante ver as pessoas tendo que trabalhar com os pés dentro d’água, com a chuva caindo e a esteira funcionando. “Elas disseram que não podem mais parar, pois é dali que se sustentam”. O que Bruna me comentou, é que há relato de outros serviços que a prefeitura também não vem pagando no prazo. O que parece é que categorias que eles consideram menos importantes são deixadas de lado na hora de pagar, caso do serviço de reparo no telhado dos galpões.
UT Zona Norte se prepara para não alagar mais
Por outro lado, vale celebrar que pelo menos a UT da Zona Norte está tendo seu problema de alagamento parcialmente atendido. Ainda não está sendo viabilizada a mudança da UT, mas pelo menos o DMAE, após solicitação do Ministério Público, disponibilizou uma equipe para melhorar a drenagem do terreno após os eventos de temporais registrado em setembro do ano passado. Não faz parte das melhorias da verba emergencial. Confira aqui o texto sobre a situação dessa UT, publicado aqui no Sler.
Confira a foto enviada pelo Josué Moreira, responsável pela Cooperativa de Trabalho Socioambiental Mãos Unidas.