Nesta 4ª feira (20/03) foi divulgado o Relatório Mundial da Felicidade de 2024, trabalho que é realizado pela Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável da ONU, com base em dados coletados pelo Gallup World Poll, que envolve uma série de instituições e universidades voluntárias para aplicação, análise e construção do relatório.
Esse trabalho iniciou em 2012, a partir do Butão, primeiro país a instituir um índice de felicidade interno. Desde então, a ONU abraçou a causa, convidando países membros para participarem, incentivando que seus cidadãos respondam a pesquisa (em 2024 foram 143 países). Cada variável mensurada revela uma pontuação média ponderada por população numa escala de 0 a 10, que é monitorada com o passar do tempo e comparada com a de outros países. Assim, são medidas seis variáveis: PIB per capita real, assistência social, expectativa de vida saudável, liberdade para fazer escolhas, generosidade e percepções de corrupção. Cada país também é comparado a um país hipotético chamado Distopia. Distopia representa as menores médias nacionais para cada variável chave e, juntamente com erros residuais, é usado como ponto de referência de regressão.
Por que é importante medir a felicidade?
A ideia é apontar caminhos para que os países aumentem a felicidade de seu povo, entendendo que pessoas felizes equivalem a uma sociedade mais próspera. Afinal, o propósito principal dos governos deveria ser a busca pelo bem-estar dos cidadãos.
Na edição deste ano, o Relatório Mundial sobre Felicidade focou na felicidade das pessoas em diferentes fases da vida. Esta perspectiva trouxe relações muito interessantes, pois foi possível observar além da idade, diferenças de geração e gênero.
O Relatório é extenso e possui diversos aspectos muito interessantes para serem aprofundados. Nessa análise que fiz em primeira mão, compartilho alguns dados que achei mais interessantes sob o meu olhar.
Ranking Geral da Felicidade
Por enquanto, vamos ao ranking geral, e ao resultado específico do Brasil. Os 10 principais países permaneceram praticamente os mesmos desde antes da Pandemia. A Finlândia ainda está no topo, com a Dinamarca agora muito perto, e todos os cinco países nórdicos no top 10. Mas nos próximos 10 houve mudanças, com a entrada dos países do Leste da Europa. Parte por causa disso explica-se os motivos dos Estados Unidos e da Alemanha terem caído para 23º e 24º lugar no ranking.
Já o Brasil, melhorou! Em 2023 estávamos em 49º lugar e agora em 2024 subimos para 44º no ranking. Porém, se compararmos com os dados coletados no ciclo de 2006-2010, a gente “andou pra trás”. Assim, espero que a gente siga em frente, mesmo que devagar.
Ainda tratando do Brasil, chamou minha atenção que no índice geral da faixa etária de menos 30 anos estamos em 60º lugar, com 6.436 pontos. No entanto, no ranking geral de pessoas 60 mais, apesar de estarmos melhor colocados, 37º lugar, contamos 6.127 pontos. Podemos concluir que, no Brasil, os mais velhos são significantemente menos felizes do que os mais jovens. Dessa forma, leva a gente – de novo – a refletir o quanto como sociedade valorizamos o “ser jovial” em detrimento do “ser velho”. Você já viu alguém de 25 anos reivindicar “ser jovial”? Não precisa, né? No entanto, é comum encontrar pessoas mais velhas achando legal serem reconhecidas como joviais, como se esse elogio as conduzisse para um lugar de conforto e acolhimento. Será que não tá na hora de buscar sinônimos pra essa palavra? Eu adoro vitalidade, espirituosa, energética. O que te parece?
Mas, voltando ao Relatório Mundial da Felicidade, por meio desse dado brasileiro também podemos inferir que no ranqueamento geral, mundial, as pessoas mais velhas são significantemente menos felizes do que as mais jovens. Por que será que os mais velhos são mais infelizes? A sociedade que os trata pior, ou seja, idadismo estrutural? Eles, mais velhos que possuem baixa autoestima por que envelheceram, ou seja, auto-idadismo?
Na média, a felicidade diminuiu de 2006-2010 para cá
Os países da Europa Central e Oriental tiveram o maior aumento na felicidade – em quantidades semelhantes em todas as faixas etárias. Os ganhos na antiga União Soviética foram metade desse valor. Também na Ásia Oriental houve grandes aumentos, especialmente entre os idosos.
Em contraste, a felicidade caiu no Sul da Ásia, no Oriente Médio e no Norte da África em todas as faixas etárias. Também caiu na América do Norte, especialmente entre os jovens.
Na Europa Central e Oriental, os jovens são agora tão felizes como na Europa Ocidental. Entre os idosos o fosso entre o Oriente e o Ocidente é metade do que era em 2006-2010, embora ainda seja grande (um ponto inteiro na escala de 0 a 10).
Desde 2006-2010 tem havido um grande aumento na desigualdade de felicidade em todas as regiões, exceto na Europa. E aumentou especialmente para os idosos. O maior aumento ocorre na África Subsaariana.
Emoções negativas: mais frequentes agora e nas mulheres
As emoções negativas são mais frequentes agora do que em 2006-2010, menos na Ásia Oriental e na Europa.
Em 2021-2023, as emoções negativas foram em todas as regiões mais prevalentes nas mulheres do que nos homens (quadro). Em quase todo mundo, a disparidade entre géneros é maior nas idades mais avançadas.
Emoções positivas: mais comum para os com menos de 30
Em todas as regiões, a frequência das emoções positivas mudou desde 2006-2010, com diferenças de acordo com os padrões de idade. A frequência de emoções positivas em todas as regiões é maior para aqueles com menos de 30 anos, diminuindo depois de forma constante com a idade avançada em todas as regiões, exceto na América do Norte, onde as emoções positivas são menos frequentes para aqueles nos grupos de meia idade.
Considerando que o Afeganistão está no último lugar e a Finlândia em primeiro neste ranking da felicidade, penso que podemos questionar até que ponto a falta de cidadania, (auto)idadismo, sexismo, patriarcalismo, e outras discriminações e violações diárias dos direitos dessas populações, influenciam mais emoções negativas do que outras, como acima apontado.
A boa notícia: o dar cresceu em detrimento do receber.
Nestes tempos em que ao menos cinco gerações convivem juntas, tem havido muita discussão sobre possíveis mudanças de valores, incluindo a benevolência, de uma geração para outra desde meados do século passado. Os “millenials”, por exemplo, têm sido alternativamente chamados de “geração eu”. Dessa forma, nesse capítulo da pesquisa, se explorou o comportamento de cada geração com relação à generosidade antes e após a Pandemia, em relação a ações de voluntariado e altruísmo.
O gráfico acima mostra a percentagem da população que realiza os três atos benevolentes por cada uma destas coortes por ano de nascimento, com as barras cinzentas mostrando os valores de 2017-2019 e as barras vermelhas as frequências em e após 2020.
Para todas as coortes, tanto antes da Pandemia como agora, a ajuda de estranhos é mais frequente, seguida de doações e depois de voluntariado. Os padrões geracionais antes da Pandemia diferem nos três atos. A ajuda a estranhos era mais comum entre os grupos mais jovens e mais baixa entre os nascidos antes de 1965, talvez refletindo, em parte, a sua menor capacidade de sair de casa. As doações de caridade foram menos frequentes nas gerações mais jovens do que nos outros grupos etários, talvez refletindo os seus rendimentos disponíveis mais baixos. O voluntariado foi bastante igual nas três gerações.
Os aumentos depois da Pandemia são grandes tanto em tamanho como em significância estatística para todas as três coortes de nascimentos e para todos os três atos solidários. Para todos os três atos, os aumentos na benevolência, sejam medidos como parcelas da população, ou aumentos percentuais em relação aos níveis pré-pandêmicos são maiores para a geração Y e a Geração Z, sugerindo que a geração Y tem ainda mais probabilidade do que seus antecessores de aumentar seus atos benevolentes quando surge uma nova necessidade como a COVID. Em qualquer caso, a diferença entre as gerações nas suas respostas é diminuída pela dimensão geral dos aumentos em todas as gerações. E aqui importante observar que as novas gerações manterão o legado e se mostram comprometidas e engajadas com os mais vulneráveis. Uma esperança de que por meio da solidariedade e do altruísmo será possível encontrar saídas coletivas para a sociedade?
Conforme os pesquisadores, estes resultados de altruísmo, se comparados a 2017-2019 com 2020-2023, aplicam-se a todas as regiões globais. Esta maior benevolência fornece uma parte importante da explicação para a relativa estabilidade das avaliações de vida durante a Pandemia. A oportunidade de ajudar os necessitados e de ver outros fazerem o mesmo serve para dar um propósito e aumentar a confiança na benevolência dos outros, o que está associado a classificações mais elevadas da vida como um todo. Achado também compartilhado por vários estudos sobre longevidade, que indicam que sem um propósito a vida se torna sem sentido e, portanto, mais curta.
É fato de que em todo o mundo as pessoas viverão mais, mas viverão melhor? Gostaria de propor uma protopia, termo criado pelo futurista e pensador Kevin Kelly a fim de provocar reflexão sobre o futuro. Partindo de palavras já existentes como Utopia (futuro imaginário, perfeito e ideal) e distopia (futuro imaginário não desejável, geralmente catastrófico), ele propõe a protopia como uma narrativa de um futuro que pode ser criado a partir de melhorias constantes e contínuas, através do engajamento e que depende de esforço pessoal e comunitário.
Então, a minha protopia é construir um lugar no mundo onde a Sociedade Civil, as empresas que têm mais dinheiro que governos, pessoas com fortunas maiores do que populações inteiras, junto com governos que deixarão seus interesses de poder de lado, se unirão para tratar os males que adoecem e matam pessoas e o nosso Mundo. Esse Relatório Mundial da Felicidade possui muitos méritos e utilidades, mas sem dúvida alguma ele coloca em perspectiva o que realmente importa, ou deveria importar, nos governos: Pessoas, sem esquecer da Natureza, pois dela somos parte.
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