Para evitar uma ruptura e um caminho sem volta com os militares, antes de seu primeiro mês de governo, o presidente Luiz Inacio Lula da Silva demitiu o comandante do Exército, general Júlio Cesar de Arruda, em meio a uma declarada crise de confiança. A decisão não esperou a segunda-feira e foi comunicada ao militar na tarde de sábado. O novo chefe da Força é agora o ex-comandante militar do Sudeste (responsável por São Paulo), general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, que fizera, antes da eclosão da crise, uma defesa incisiva da constitucionalidade e do resultado eleitoral.
A demissão do comandante foi como o governo Lula puxou um freio de arrumação na área militar. Demitiu sem pestanejar o general que vacilara em cumprir ordens e acatar a orientação do Ministro da Defesa, José Múcio Monteiro Filho. Assim, apenas no sábado, Lula finalmente toca, de fato, o poder, mostrando, enfim, força para enfrentar resistências e insubordinações militares.
A decisão pela exoneração deu-se por Arruda não demonstrar disposição de providências imediatas para reduzir as desconfianças do presidente em relação a militares após a invasão das sedes dos poderes. Arruda relutou em cobrar do Comando Militar do Planalto, que no mínimo falhou ao reprimir os atos do dia 8. E hesitou também em apurar responsabilidades e conduzir o que chamara de uma espécie de expurgo na sua tropa.
A gota d’água foi o fato de o então comandante ter resistido à ordem de Múcio de retirar o tenente-coronel Mauro Cid do comando de um batalhão do Exército em Goiânia (GO). Cid foi ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL) e entrou na mira da Polícia Federal após serem identificadas transações suspeitas no gabinete do mandatário. O militar está nos EUA com o ex-presidente. Arruda simplesmente ignorou a ordem.
O tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, o Mauro Cid ou “coronel Cid”, tem um histórico de relacionamento com o ex-presidente Jair Bolsonaro que vem de família. Ajudante de ordens de Bolsonaro no governo, Mauro Cid é filho do general Mauro Cesar Lourena Cid, que foi colega do ex-chefe do Executivo no curso de formação de oficiais do Exército. Desse período, vem a amizade de Bolsonaro com Mauro Cid, que ascendeu na carreira no governo recém-encerrado.
Pesou ainda na decisão de Lula a crise dos acampamentos golpistas em frente ao quartel-general do Exército. O ponto alto foi o veto que Arruda e o comandante Militar do Planalto, general Gustavo Dutra, deram à retirada dos bolsonaristas extremistas no quartel na noite de oito de janeiro. Nem a destituição foi tranquila. Arruda queixou-se em reunião com os outros quinze integrantes do Alto-Comando do Exército que Lula, e não Múcio, é que deveria ter lhe comunicado a demissão. Foi aconselhado pelo generalato a aceitar calado. O General Tomás já fora cotado para o cargo, mas petistas temiam sua grande capacidade de articulação e que se tornasse uma força independente, assim como ocorrera com o General Eduardo Villas Bôas, considerado o artífice da volta dos fardados à política.
Fuga ou exílio? Bolsonaro quer ficar nos EUA
Temendo eventual aumento do cerco político e judicial, o ex-presidente Jair Bolsonaro já avalia permanecer mais tempo nos Estados Unidos, para onde foi dois dias antes de não passar a faixa presidencial a seu sucessor. Seu ex-ministro é investigado por omissão à repressão aos protestos do dia oito, quando Anderson Torres já ocupava o posto de Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, responsável pela segurança da área presidencial e ministerial, e também já estava nos Estados Unidos. Assumiu o comando da tropa e sequer orientou seu substituto. Anderson está preso. O ex-presidente, que chegara a dizer que só sairia morto da presidência, agora estuda opções para ficar por mais tempo nos Estados Unidos. A dúvida: é exílio ou fuga?
Um grupo de empresários de São Paulo, simpáticos ao ex-presidente, montou um plano inicial para custear a estadia do político no país. Foram acertadas com empresários americanos seis palestras sobre política, cada uma pagando US$ 10 mil (quase R$ 51 mil no câmbio de hoje). Bolsonaro comprometeu-se com esse roteiro.
A questão central é a financeira. Há uma opacidade acerca das condições da presença de Bolsonaro numa casa do lutador de MMA, José Aldo, em Kissimmee, região de Orlando, na Flórida. O decreto que regulou a saída de Bolsonaro do país em avião da Força Aérea Brasileira incluiu cinco dos oito funcionários que têm direito à sua equipe. Mas há relatos de que há muito mais pessoas envolvidas, tanto que uma segunda casa no mesmo condomínio foi ocupada pelo grupo, que tem o filho Carlos, vereador carioca do Partido Republicano.
O PL, partido do presidente, prometeu a ele uma remuneração equivalente ao teto do funcionalismo, atuais R$ 39,3 mil e futuros R$ 41,6 mil a partir de abril. Porém, Waldemar da Costa Neto, o presidente da sigla, quer o presidente no País. E tenta rejeitar o pedido de o aluguel de uma mansão em Brasília. A renda de Bolsonaro, que já ganha a pensão de ex-presidente, de R$ 39,3 mil, a de reformado pelo Exército, de R$ 11,9 mil, e de ex-parlamentar, de R$ 46,4 mil ao mês, reajustável a partir de abril.
Esses aliados recomendam a Bolsonaro abrir uma conta no Banco do Brasil em Orlando, para permitir acesso a seus fundos no Brasil. Essas pessoas afirmam que há ainda a questão dos custos com advogados de defesa, que não deverão ser cobertos pelo PL. Só no Tribunal Superior Eleitoral, Bolsonaro responde a 16 ações. Lá, Bolsonaro e seu companheiro de chapa Walter Braga Neto (PL) podem acabar declarados inelegíveis.
Tudo isso pesa na decisão do ex-presidente sobre o que fazer. Apesar dos riscos legais, membros do PL têm dito que Bolsonaro precisa voltar logo ao Brasil, sob pena de ver minguar os 49,1 por cento dos votos válidos no segundo turno. Ou pior: migrar para seu adversário.
Os contatos são na maioria das vezes indiretos, já que Bolsonaro isolou-se e trocou o número de celular. Mas a movimentação relatada no condomínio americano é grande. Um número expressivo de pessoas próximas de Bolsonaro está ou esteve na Flórida desde que ele chegou, embora não se saiba com quem ele teria se reunido.