Antes de tudo, o que entendemos por “corpo”? Uma estrutura de carne e osso? A união de matéria e espírito? Existem muitos entendimentos sobre o que é e para que serve o corpo. O que me levou a pensar e escrever sobre este tema não foi para defender alguma destas interpretações, mas pela constatação do completo descaso, descuido e agressões que fazemos à esta estrutura, que é a nossa casa, que nos sustenta e que carregamos pelos anos que vivemos na Terra.
Talvez ache que estou exagerando, que não seja tanto assim. Fazendo uma analogia, imagine que alguém compre um carro de alto valor. Provavelmente, esta pessoa terá muito cuidado quando passar por uma rua esburacada, irá escolher o melhor combustível e fará todas as revisões periódicas. Talvez esta mesma pessoa, ou um cidadão comum, não cuide do seu corpo como cuida do seu carro. Ele irá comer alimentos ultra processados, o que equivale ao combustível adulterado de péssima qualidade. Irá adquirir sobrepeso, o que equivaleria a transportar sete pessoas no carro que foi projetado para o máximo de cinco pessoas, provocando desgaste na estrutura do carro. Os cuidados com o carro tendem a serem maiores do que com o seu próprio corpo.
Nós maltratamos nossos corpos de diferentes formas: ingerindo álcool, drogas, fumando, levando uma vida sedentária, permanecendo muitas horas por dia na frente de uma tela, vivendo situações de muito estresse, entre outros. Algumas situações são voluntárias e outras resultados do nosso estilo de vida. Se você cuida bem do corpo, ele te responde de uma maneira, se não, será de outra. Lembra da história de que nós escolhemos se queremos alimentar o lobo bom ou lobo mau? O mesmo acontece com o nosso corpo, as dores e as limitações virão na proporção dos cuidados recebidos.
Eu me incluo entre os que maltratam o seu próprio corpo, demorei muitos anos para me dar conta e pago por isso. Tenho um currículo de décadas de sentar-me numa má postura em cadeiras, de passar a maior parte do dia olhando para uma tela e outros pecados que resultaram em hérnias na coluna desgastes neste corpinho. Já há alguns anos faço Pilates e outras formas de exercícios para corrigir a postura. Recentemente conheci o Laco (Paulo Guimarães), com quem faço exercícios de alongamento e de consciência corporal no Meme Estação Cultural. Ele compreende o corpo como um todo e sempre diz: “Não brigue com o seu corpo, converse com ele, ele não é assim, ele está assim”. Fiz uma entrevista com o Laco que foi muito boa e subsidiou a construção deste texto.
Assim como eu, muitas pessoas passam muitas horas do dia sentados na frente de uma tela. Este é o mundo que temos e precisamos nos adaptar. O que seria o adaptar? O primeiro passo é ter consciência da nossa postura, do nosso “pescoço de jabuti”, de tomar as medidas possíveis e já bem conhecidas para evitar as dores cervicais. Não voltaremos a viver como os índios, mas precisamos ter consciência de que o corpo não foi feito para ficar muito tempo sentado e nem para fazer atividades repetitivas por muito tempo. Muitos de nós temos projetos para entregar e meta para bater. Nossa mente tem o desejo de comandar o corpo, mas quando ele der o sinal que está cansado, obedeça. As doenças e lesões ocorrem quando ultrapassamos os sinais de que ele nos passa.
As questões culturais e religiosas permanecem considerando o corpo como um instrumento do pecado. Para algumas religiões é pecado mulheres mostrarem o rosto ou os cabelos. Outras exigem que as mulheres não cortem os cabelos e que usem saias até os tornozelos. Mesmo na religião católica, partes do corpo são “tratadas como pecado”, como por exemplo, mulheres que forem a Roma visitar a Capela Sistina, num verão com temperaturas superiores a quarenta graus, terão que seguir o código de vestimenta do Vaticano que não permite roupas que mostrem os joelhos, ombros, roupas rasgadas, tatuagem ofensivas, chapéus, bonés etc. Mas tudo se resolve se a turista que está na fila de short, blusa decotada, ombros de fora e com tatuagem ofensivas, colocar um pano sobre os ombros e atar outro na cintura, assim estará livre do pecado e poderá entrar na Capela. Simples assim! Eu me pergunto por que só as partes do corpo das mulheres são pecaminosas?
Já do lado da moda, prioriza-se estética da forma, que como diz o Laco, é a fachada da casa, se você quer conhecer, precisa entrar e visitar os cômodos. Por outro, o esporte vê o corpo como uma máquina de músculos que pode a cada dia conseguir superar resultados. Saúde, bem-estar, envelhecer com saúde, tudo isso é o que menos importa nessas concepções. Não é por acaso que as modelos aposentadas sofrem de depressão, que os ex-atletas geralmente passam a maior parte das suas vidas sofrendo muitas dores por terem exigido demais do seu corpo.
Existe ainda o distúrbio Dismorfia Corporal, que é o mal-estar com a própria imagem, conhecido como feiura imaginária, que atinge 2% da população brasileira, ou seja, são 4,1 milhões de pessoas que sofrem porque o seu corpo não é como elas gostariam que fosse. Não é por acaso que o Brasil é campeão mundial em cirurgias plásticas. Bem, a relação entre o corpo e a beleza é um capítulo à parte, fica para um outro texto.
Eu acredito que o corpo é uma estrutura mais complexa do que conhecemos hoje e que, além da matéria, tem uma dimensão espiritual, que transcende a matéria. Mesmo tendo agredido o corpo por longos anos, sempre é tempo de um acerto de contas para viver com ele da melhor forma possível no tempo que nos resta. Quero agradecer a este corpo que eu habito e me trouxe até aqui, a quem eu peço desculpas pelas agressões e mal tratos que causei. Eu cuido de ti e tu me poupa de algumas dores, de acordo?