Não foi por falta de aviso. Os cientistas, as Cassandras do nosso tempo, como descrevi na primeira coluna deste ano, têm nos avisado desde a década de 1990. Já naquela época muitos disseram que se os humanos continuassem emitindo gases de efeito estufa (GEEs) na quantidade em que estavam, o aquecimento da atmosfera e, consequentemente, as mudanças climáticas, seriam inevitáveis.
Uma palestra do climatologista James Hansen no Congresso Americano em 1988 foi um dos marcos desses alertas, ao dizer que os modelos climáticos apontavam um aquecimento da atmosfera de até 4oC, se as emissões de GEEs não fossem reduzidas. Hansen declarou isso com todas as letras. Na época, ele trabalhava na NASA, como Diretor do Instituto Goddard para Pesquisas Espaciais, onde se aposentou em 2013. Desde 1978 é professor da Universidade de Columbia.
Atualmente, alguns dos cenários (que dependem das estimativas de emissão de GEEs) apresentados pela própria NASA são mais extremos que os de Hansen. O IPCC, sigla em inglês para o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, da ONU, levou quase 20 anos para admitir que Hansen tinha razão, afirmando, no relatório de 2007, que havia uma “alta probabilidade” de que os gases de efeito estufa emitidos pela humanidade estivessem causando mudanças no clima.
Hoje James Hansen, com 82 anos, está novamente com todas as letras, nos chamando de idiotas. Porque nós, ainda que com todos os alertas, não só continuamos a emitir os GEE, como estamos aumentando essas emissões!
Mas qual é, afinal, a base física que explica por que um aquecimento de poucos graus na atmosfera tem efeitos tão drásticos sobre o clima do planeta?
Um dos argumentos preferidos dos negacionistas das mudanças climáticas era, se ainda não é, se num mesmo dia as variações de temperatura podem ser de mais de 10 graus, por que meros 1 ou 2 graus vão fazer tanta diferença?
Não há nada errado em se fazer perguntas. Mas é preciso esperar a resposta e, algo cada vez mais difícil de se ver atualmente, ter a disposição de analisar seus argumentos.
E a resposta para essa questão é simples. Com o aumento global da temperatura da atmosfera (e da água dos oceanos) ocorre um incremento da evaporação. Paralelamente, o ar mais quente consegue acumular mais umidade, de modo que, quando ocorre uma precipitação, essa se torna mais intensa. Para cada grau centígrado de aquecimento da atmosfera, sua capacidade de absorção de umidade cresce 7%.
Há um efeito de retroalimentação aqui. O vapor d’água também absorve raios infravermelhos, contribuindo, portanto, para o efeito estufa. Ou seja, a atmosfera aquece por conta, principalmente, do aumento da concentração de GEEs, o que incrementa a evaporação, e o excesso de vapor d’água causa um aumento ainda maior da temperatura da atmosfera. E assim por diante.
As tempestades ocorrem quando ocorre o encontro de massas de ar mais frio com massas de ar mais quente causa precipitação. Quanto maior o contraste de temperatura e mais umidade houver na atmosfera, mais intensa será a precipitação, o que está acontecendo com uma frequência cada vez maior.
No caso das tempestades tropicais, a água aquecida dos oceanos é uma fonte adicional de energia, contribuindo para aumentar sua intensidade. O que ocorre é que quando a temperatura da água do mar está alta, ela própria causa o aumento da temperatura ao ar que a recobre, acelerando o processo de evaporação, intensificando as tempestades.
O aumento na intensidade das chuvas torrenciais e tempestades tem sido registrado em todo mundo. Tempestades (e as inundações e deslizamentos de terra delas decorrentes) que ocorriam uma vez a cada dez anos, agora estão se tornando anuais, e tempestades que ocorriam uma vez cada 100 anos, agora têm uma probabilidade muito maior de ocorrer pelo menos uma vez a cada década.
E as ondas de calor? E as secas? Era previsível que ondas de calor e secas ficariam mais intensas e frequentes num mundo mais quente. Mas a maneira como estão ocorrendo tem surpreendido até os cientistas.
Aparentemente, a razão das ondas de calor e secas estarem mais intensas que o previsto é porque o aquecimento global está alterando os padrões de circulação atmosférica, particularmente o das correntes de jato (jet streams), que controlam o posicionamento das massas de ar frio que se deslocam das regiões polares para as regiões tropicais. Essas mudanças estão tornando os períodos de ondas de calor e secas mais longos e severos.
Paradoxalmente, é também o deslocamento das correntes de jato que permite que o ar polar atinja áreas mais extensas, como vimos há pouco acontecer nos Estados Unidos, quando praticamente o país inteiro foi atingido por uma massa de ar polar.
Os sinais das mudanças climáticas estão por toda parte. Tornou-se impossível ignorá-los. Mesmo ciclos naturais estão sendo modificados. Esta semana, um estudo de concluiu que a seca extrema que ocorreu em 2023 na Amazônia não se deveu apenas ao (já esperado) efeito do El Niño, mas foi muito amplificada pelas mudanças climáticas causadas pelos humanos que, no caso da Amazônia, incluem não só o aquecimento da atmosfera, mas também o efeito do desmatamento na redução das chuvas.
E por falar em El Niño, o fenômeno de aquecimento anormal das águas do Pacífico Equatorial que causa mudança nos padrões dos ventos alísios, sua atuação é normalmente caracterizada pela ocorrência de períodos mais secos e ondas de calor na maior parte da Brasil, com exceção do Sul, onde as chuvas aumentam. Estamos num verão de El Niño.
De fato, ondas de calor e secas (como a da Amazônia) ocorreram no segundo semestre de 2023, mas o verão está excepcionalmente chuvoso, especialmente no Sudeste, com chuvas intensas chegando inclusive ao Nordeste, enquanto um típico El Niño tende a causar verões mais secos no Sudeste.
Existem, naturalmente, outros ciclos atmosféricos que afetam o clima, e para esse verão eram até esperadas mais chuvas no Nordeste.
Mas as chuvas torrenciais em São Paulo, e no Rio de Janeiro, que estão ocorrendo neste início do ano, não apareciam nos modelos climáticos.
Este é apenas um exemplo do mundo em que estamos adentrando. Não só os eventos climáticos ficarão mais extremos, mas também ficarão mais erráticos e imprevisíveis, pois os efeitos do aquecimento global só estão começando a se manifestar.
O aquecimento da atmosfera e das águas dos oceanos vai continuar por muito tempo, mesmo se parássemos de emitir os GEEs imediatamente. Mas não faremos isso, e as transformações do planeta continuarão sua trajetória devastadora, deteriorando o clima e o ambiente do mundo inteiro.
É sobre esse mundo novo e aterrorizante que vou falar na coluna da semana que vem, intitulada: Bem-vindo ao Antropoceno!
Observação final: não esqueça de ver o vídeo que publicarei na próxima quinta-feira na minha conta do Instagram @marcomoraesciencia, com aprofundamentos sobre o tema da semana.