De tempos em tempos surge uma novidade que promete mudar o mercado de trabalho como conhecemos. Trabalho remoto, trabalho assíncrono, grande demissão (ou the great resignation, para os norte-americanos) – só para citar as surgidas junto ou após a pandemia de COVID-19 – e, agora, o quiet quitting.
Confesso que, na minha idade, já deu para perceber que a maior parte delas é como as calças boca-de-sino: é a mesma coisa de 30 anos atrás só com nome em inglês e detalhes mais modernos. No caso deste último, a “demissão silenciosa”, como já é conhecida, é apenas um conceito que explica algo que todos deveríamos fazer: valorizar o próprio tempo.
Entendo o espanto da imprensa norte-americana sobre o assunto. Os gringos não entendem quem não morre de tanto trabalhar.
Eles – e talvez 1/2 dos gaúchos e 2/3 dos paulistas – acham uma aberração um profissional que faz, com excelência, o que estritamente foi contratado para fazer. Para essas pessoas mais valoroso do que o mérito da entrega é assumir tarefas de chefia sem ganhar para isso ou até (pasmem) trabalhar além do horário, mesmo que tudo possa ser feito dentro da janela de tempo prevista.
Como chefe nascido e criado no feudo do Comando e Controle, certamente vejo vantagens em um funcionário que se dá além do esperado. Obviamente, fico mais tranquilo quando tento ligar às 20h para alguém da equipe para alinhar a reunião da primeira hora da manhã e esta pessoa não só atende, como está trabalhando para melhorar o material.
Mas, como ser humano entrante na segunda metade da vida, preciso dizer que quiet quitting deveria ser matéria de formação profissional. Do ponto de vista pessoal, é preciso que mais gente entenda que o trabalho não pode ocupar mais de ⅓ do nosso dia útil.
Se estamos trabalhando além disso, alguma coisa está desequilibrada e vai cobrar o seu preço ali na frente. Seja na saúde, na família, no humor ou, até mesmo, na capacidade de fazer o que foi contratado para fazer. Sim, por que trabalhar demais não permite que você se qualifique e evolua além dos limites de sua experiência cotidiana.
Quem nunca ouviu a frase: “quanto mais compromissos temos, mais tempo encontramos para fazê-los”? Ela explica nossa capacidade de organizar a rotina para que possamos cumpri-la sem deixar nada passar, mesmo que isso seja massacrante.
Por isso, é importante alterarmos nosso entendimento de trabalho e reconhecermos o valor do descanso, o que vai nos levar a operar melhor em menos tempo. É justamente por saber disso que muitos países europeus já discutem e estão a regular a jornadas de 4 dias.
É claro que essa transformação passa por legislação, mas também pela reavaliação de nossos valores e propósitos. Ou seja, por aquilo que colocamos à frente do que fazemos e por que fazemos.
Vou usar o meu exemplo para ilustrar. Por formação pessoal e profissional, sempre considerei ser workaholic algo natural. Se somarmos isso à minha capacidade de me divertir em praticamente qualquer situação e ao fato de não saber fugir de desafios, teremos pela frente um muro quase intransponível para reduzir as horas de trabalho. Para ser mais claro: apesar de querer trabalhar menos horas, eu sou o meu maior problema quando o assunto é redução de jornada.
Só que, com a pandemia e o teletrabalho obrigatório, me vi obrigado a rever uma série de hábitos. Antes do caos, eu trabalhava mais de 10 horas por dia, ficando em São Paulo de terça a quinta. Indo a reuniões nos quatro cantos do Brasil, eu me divertia com a função de aeroporto, deslocamento de táxi ou uber e até almoçando no buffet argentino da Vila Olímpia. Com isso, minha jornada era salpicada por vários pontos de descanso, mas sem sobrar tempo para exercícios ou estudo.
Quando me vi confinado ao home office, percebi que não podia mais ficar todo esse tempo disponível para a empresa. Dez horas em frente ao computador, entrando e saindo de calls sem descanso, me fizeram ver que organização vale mais que disponibilidade ilimitada.
Vi que mesmo que você esteja descobrindo uma vacina para acabar com uma pandemia ou a cura do câncer, haverá coisas que podem (talvez devam) sim ser feitas amanhã. Precisam apenas estar organizadas e combinadas. Se não puder e/ou isto estiver se repetindo sistematicamente, o problema não está em você, mas na forma como as tarefas de sua equipe estão sendo organizadas. Ou faltam profissionais e alguém está sem fazer nada enquanto outros fazem coisas demais.
Neste contexto, empresas e profissionais precisam ver valor na identificação e correção do que nos leva a trabalhar um pouco mais a cada dia. Mais do que um termo ou uma tendência, o quiet quitting dá luz a um conflito que confronta hierarquias e gerações. E não se trata de estar certo ou errado, mas sim em como podemos transformar a angústia de alguns em qualidade de vida para todos. Eu sempre vou preferir saber que alguém se organizou para sair mais cedo (e fez tudo o que precisava ser feito, sem exageros) e foi pro jogo do Grêmio, do que trabalhou até tarde e teve um burnout que vai tirá-lo de cena por semanas.
E enquanto trabalhamos para criar um cenário em que possamos trabalhar menos, confesso que já estou organizando o meu “quiet retirementing”.