Nas duas últimas semanas, o caso da primeira-ministra da Finlândia tomou repercussão mundial desde o dia 18 de agosto, onde fotos e vídeos de Sanna Marin em uma festa privada vazaram e serviram a oposição para questionamento da conduta da premiê finlandesa, com exigência inclusive de teste toxicológico. E consequente questionamento de sua competência para a condução de um país.
Mas quem é Sanna? Por que o assunto está mobilizando mulheres no mundo?
Sanna Marin, tem 36 anos, e tratada pela imprensa como “apenas 36 anos”, é a primeira-ministra mais jovem do mundo, mulher, e tem um histórico de competência e coragem política extraordinário.
Com seus “apenas 36 anos”, foi eleita primeira-ministra da Finlândia em 2019. Na época, ela tinha 34 anos e era a líder mais nova do mundo. Ela iniciou a carreira política aos 20 anos. Aos 26, foi eleita para o Conselho Municipal de Tampere. Alguns meses depois, assumiu a presidência do Legislativo local. Entrou no parlamento finlandês aos 29 anos, em 2015. Antes de ser premiê, foi ministra dos Transportes. Ela também é a 3ª mulher a comandar a política do país nórdico. Hoje, o título de chefe de governo mais jovem do mundo pertence ao presidente do Chile, Gabriel Boric. Ele é 87 dias mais novo que Sanna.
Após encarar o presidente russo e se tornar uma das personagens do atual tabuleiro da geopolítica mundial, a primeira-ministra da Finlândia tem que enfrentar críticas sobre sua vida pessoal e o julgamento público de sua competência como líder, mesmo em um país considerado como de 1º mundo e inovador na relação de direitos das mulheres na sociedade.
“Sou um ser humano. Às vezes também busco alegria, luz e prazer em meio a essas nuvens escuras”, declarou, com a voz trêmula, durante um ato organizado por seu partido, o Partido Social-Democrata (SPD), em Lahti, no sul da Finlândia.
“Isso é algo privado, é alegria e vida”, declarou ela, com os olhos marejados. “Mas eu não faltei um único dia de trabalho”.
Mulheres na Finlândia e no mundo todo estão viralizando vídeos dançando e manifestações de apoio a Sanna, e se fazendo a pergunta: e se fosse um homem? O que aconteceria?
Por que é exigido nos espaços de poder a postura e figura masculinizadas de mulheres como Ângela Merkel, Margareth Tatcher? O que isto nos indica como o campo permitido sobre a ocupação de mulheres em espaços de poder legitimados antes apenas aos homens?
Marin disse: “Tenho uma vida pessoal e uma vida profissional. E tenho tempo livre para passar com meus amigos. O mesmo que muitas pessoas da minha idade”.
Ela afirmou que não vai mudar seu comportamento por causa das críticas.
“Vou continuar a ser exatamente a mesma pessoa que fui até agora e espero que isso seja aceito”, acrescentou.
Mesmo com suas declarações fortes e repercussão mundial, a crise interna na Finlândia nos sinaliza em dimensões totalmente diferentes, questões importantes sobre a relação das mulheres e os espaços de poder construídos sobre uma visão sexista e patriarcal.
As mulheres são julgadas nos mínimos detalhes, sejam pelos apenas “36 anos”, – o presidente do Chile tem a mesma idade -, por se divertir e mesmo ter posturas firmes e corajosas como o enfrentamento com Putin e a retirada da Finlândia da neutralidade diplomática.
Existe uma necessidade de enquadramento da postura feminina na seriedade rígida, na disciplinização dos corpos e na punição da quebra do código de conduta que leva ao acesso do poder. Eu vejo menos o caso de Sanna como sexista e mais como se dá a relação de construção do poder.
O caso de Sanna me remeteu direto ao livro “O Nome da Rosa”, de Umberto Eco: apesar de ambientada em tempos medievais, a história fala sobre os fanatismos e fundamentalismos presentes em todos os tempos – especialmente em nosso.
Ainda, segundo o crítico Eduardo Cesar Maia, este tema perpassa várias das obras de Eco, não só as literárias como as filosóficas: a defesa do princípio de tolerância com base num certo tipo de ceticismo epistêmico, fundamentado na aceitação de que só podemos acessar a realidade de forma limitada e, portanto, não deveríamos permitir que um discurso único (seja científico, político, religioso etc.) dite o que somos, o que podemos ou não ser de maneira absoluta.
O Caso de Sanna nos sinaliza a obsessão que a sociedade líquida de Baumban estabelece nas fronteiras de vida pública e privada, tornando indistinto os dois espaços e abrindo formas de vivermos em um grande Big Brother onde nossas vidas são potencializadas ou destruídas através do julgamento alheio.
Como mulher que desde cedo ocupei lugares de poder, sei bem o que Sanna passa e seu dilema entre ser quem é e o que a opinião pública julga adequado a uma premiê ou a uma Executiva, para exercer suas funções com o mínimo de emoção, controle e racionalidade de maneira integral, “sem deslizes”.
Sanna Marin está fazendo história mais uma vez ao levar esta discussão adiante e mesmo chorando em público e pedindo desculpas, enxugando suas lágrimas, e indo assinar o tratado da OTAN.
Por mais mulheres como Sanna.