O problema não era conseguir a Playboy – sempre tinha um dono de banca solidário -, o problema era saber onde esconder as revistas.
Tive amigos com tios muito generosos que volta e meia descolavam para a turma exemplares de várias revistas com “conteúdo adulto”. Quando pintava uma edição nova, vinha junto a pergunta: como guardar isso? Como esconder pra que ninguém descobrisse o nosso crime adolescente, o que inclusive colocaria o senhor da banca e o tio do amigo em maus lençóis?
Para que o material contrabandeado não ficasse na casa de ninguém, uma vez decidimos que o melhor seria envolver cuidadosamente as revistas em papel filme e enterrar num terreno baldio que tinha no bairro.
Qual não foi o nosso desespero quando vimos que uma escavadeira havia sido estacionada justamente ali numa manhã quente e seca de Caçapava do Sul. O terreno seria trabalhado para a construção de uma casa. Apavorados com a possibilidades de sermos descobertos, passamos aquele dia todo pensando o que fazer. Como acobertar as provas? Na casa de quem deixar as revistas? Seria seguro?
Em um átimo de insurgência febril e temor culpado, um dos meus amigos decidiu que o melhor era atear fogo no pequeno terreno, até mesmo porque não sabíamos mais em que lugar havíamos enterrado as revistas – colocar uma marcação com um galho ou pedra parecia tétrico demais.
Eu não estive presente na cena do crime, mas da janela do meu quarto vi aquela despudorada luminosidade tomar conta do horizonte interiorano. Por conta da baixa umidade, o fogaréu se desfez rapidamente, deixando um rastro de cinzas, grama queimada e tristes retalhos da Hortensia do vôlei, da Xuxa e da Adriane Galisteu.
Ou seja: ao tentar esconder o delito, meu amigo acabou explicitando-o ainda mais. Como de costume, aliás.
Fico pensando em como tudo teria sido diferente se tivéssemos a mesma idade nos dias de hoje.
Se antes o nosso acesso à pornografia era pontual e precisava de todo esse empenho, agora nós convivemos com uma geração que nasceu e cresceu imersa na internet, que desde sempre teve acesso aos sites de pornografia – inclusive com edições antigas da Playboy em formato pdf.
Neste sentido, tem me chamado a atenção o quanto a pornografia tem surgido no meu consultório. Se meu companheiro vê filmes pornô, isso é traição? Se minha esposa assiste a vídeos eróticos, será que não estou sendo suficiente? E por aí vai.
Do meu ponto de vista, parece que há aí uma confusão que é típica do moralismo da época em que vivemos: pensar ou assistir a algo se torna equivalente a fazer algo. Ou seja: o devaneio e a imaginação são proscritos como se fossem formas imorais de experienciar o mundo. E isso também tem efeitos na construção da sexualidade de cada um.
Mas o que mais me chama a atenção é um certo paradoxo: a geração de homens que cresceu tendo acesso fácil e gratuito à pornografia é a mesma que tem cada vez mais se habituado a tomar o “viagra preventivo” para não brochar quando vai às vias de fato. São jovens que, quando perguntados desde quando têm problema de ereção, não sabem responder, tendo em vista que há muitos anos recorrem à famosa pílula azul (e não à vermelha, veja bem, leitor).
Não seria de se supor que estes homens teriam maior possibilidade de explorar a sua sexualidade, de se perguntar pelo seu desejo, pelo que os excita, dado o fácil acesso a conteúdos pornográficos? Afinal, basta jogar no Google algum fetiche ou interesse sexual e, em questão de segundos, temos à nossa frente uma variedade enorme de opções para assistir.
Pois bem, o que parece estar acontecendo é o contrário: quanto mais estes jovens consomem conteúdo erótico, mais longe de seu próprio desejo eles parecem estar.
O que torna evidente que ter uma ereção sem auxílio de medicação requer que tenhamos alguma fantasia, alguma mínima história ou imagem passando pela cabeça. Um órgão sexual não se excita sem um estímulo narrativo. Nossa sexualidade não tem, como muitos gostariam, objetivos apenas biológicos reprodutivos, mas é uma das formas pelas quais nos expressamos e nos relacionamos com o mundo. Nosso corpo é linguagem, nossos órgãos falam e são falados.
O problema é que nós só conseguimos fantasiar quando não temos acesso àquilo que nos satisfaz. O devaneio é uma forma substitutiva da experiência em si. Quando estamos o tempo todo expostos à coisa mesma (o vídeo pornô, por exemplo), sobra pouco ou nenhum espaço para a imaginação.
Aí inclusive está a diferença entre o pornográfico e o erótico: o pornográfico explicita aquilo que o erótico sugere. O erótico convida à fantasia; o pornográfico entrega a coisa em si, silenciando o devaneio.
Não surpreende, portanto, que boa parte de uma geração esteja cada vez mais recorrendo à medicação para obter e sustentar uma ereção, especialmente se levarmos em conta o quanto a indústria pornográfica produz narrativas falocentradas em que o homem está ali quase sempre na função de performar um papel de macho alfa, de provar a sua potência viril. São raros os filmes pornográficos em que o auge da transa não é penetração, por exemplo, ou em que a cena não termina após o orgasmo masculino.
A mistura de todos estes fatores favorece a subjetivação de homens que trocam a fantasia sexual íntima por receitas prét-à-porter que veem na pornografia, mimetizando os padrões machistas de exercício de poder que são típicos destas produções.
Entretanto, há que se ter cuidado para não atribuir à pornografia a causa desta forma masculina de relacionar-se ao sexo e ao prazer: ela é mais um sintoma através do qual se atualiza uma lógica falocêntrica, machista e muitas vezes misógina: lógica esta que, no mais das vezes, é causa de sofrimento tanto para homens quanto para mulheres.
Há que se ter o cuidado para procurar o que preferimos deixar enterrado e, assim, não cair no erro de queimar todo o terreno.