Porto Alegre, 2039. A cidade virou uma imensa ciclovia. Não há circulação de carros, motos, ônibus e caminhões. Catamarãs, iates, lanchas, jetskis e navios também não podem navegar pelo Guaíba. Apenas pedalinhos. Como os veículos estão impedidos de acessar a cidade, criou-se uma crise de abastecimento.
A população não tem como se alimentar e precisa recorrer a pequenas doses de ração vendidas nas milhares de farmácias que ainda existem. Por falta de clientes e pela dificuldade de acesso, supermercados sumiram, bem como restaurantes, bares, cinemas, livrarias, shoppings, petshops e estacionamentos que cobravam até 5 dólares por carro a cada meia hora.
Além das antigas farmácias sobraram apenas Farofeterias, locais que comercializam uma Farofa de Erva Mate, outro dos poucos alimentos ainda consumidos. As farofeterias foram um dos últimos modismos gastronômicos da cidade. Surgiram em substituição aos hambúrgueres com cerveja artesanal, que por sua vez substituíram as paletas mexicanas, as pizzas napolitanas, os crepes suíços, os macarons italianos, as saladas de rúcula com tomates secos e os sorvetes de mamão com licor de cassis.
Como a nova situação impossibilitou as grandes distâncias, Porto Alegre foi dividida em pequenos distritos, sem ligações entre eles. Ladeiras estabelecem fronteiras quase intransponíveis. Azuizinhos, sem carros para multar, formaram milicias e disputam espaços com flanelinhas, que, sem carros para achacar, passaram a atacar os ciclistas. Autarquias distritais cobram altos impostos de bicicletas, exigindo emplacamentos, faróis, capacetes e extintores de incêndio.
Com o aquecimento global, os moradores hibernam entre julho e agosto, por causa do frio, e no verão, hibernam em janeiro e fevereiro, por causa do calor. Nenhum ciclista é visto nesse período. Como a chuva durante o ano é constante – como sempre foi – são poucos os que ainda saem de casa.
As ciclovias permanecem vazias.