Num 7 de julho, há 33 anos, iniciava-se uma verdadeira revolução social e ambiental em Porto Alegre. O Lixão da Zona Norte foi encerrado e feita a construção de 12 unidades de triagem, com a organização e gestão de 12 associações de catadoras e catadores. Iniciava a implantação da coleta seletiva. Um processo que iniciou no bairro Bom Fim e cujo sucesso fez expandir-se rapidamente para os outros bairros. E, acreditem, a pedido da própria população.
A Prefeitura iniciava os debates em torno da participação e controle social da cidade, incentivando os moradores a se organizarem em associações de moradores nos bairros, a escolherem seus representantes e a decidirem sobre os investimentos de desenvolvimento da capital, um novo modelo. Nascia o orçamento participativo, que acabou conhecido no mundo inteiro e praticado em muitas cidades europeias e norte-americanas.
A Administração Municipal, principalmente o prefeito e equipe, trabalhavam em torno desta pauta. A cidade construiu novas ruas, organizou novos bairros com infraestrutura para moradores, encerrou áreas de riscos e ocupações, entregou aparelhos de inclusão para as comunidades, como postos de saúde comunitários, escolas, creches e praças para a mateada do final da tarde.
A coleta seletiva era um grande exemplo da mobilização, participação e controle social. Ela partia dessa premissa, construindo um elo entre os geradores de resíduos, as equipes de coleta e educação ambiental e, claro, as catadoras e catadores. Era uma ligação tão forte que se tornou a base da reciclagem: a isso chamo de cultura social da reciclagem. Os geradores tinham prazer em separar e destinar seus resíduos para a reciclagem, gerando postos de trabalho, renda, inclusão social e proteção ambiental.
No ano de 2003, tínhamos 12 grupos, com 700 catadoras e catadores, organizados, recebendo uma média de 2 salários mínimos mensais, encaminhando mais de 150 toneladas diárias de resíduos para a reciclagem. Hoje, deveríamos estar comemorando os 33 anos e seus avanços, mas o que vemos é o sistema regredindo. Temos uma única coleta seletiva privada da Região Metropolitana, com alto custo aos cofres públicos e com recolhimento de resíduos que sustentam apenas 492 catadores – uma queda de 35% nos postos de trabalho, gerando rendas abaixo de um salário-mínimo para mais de 60% da categoria.
A Prefeitura obrigou todos os grupos a assinarem um contrato inviável, com um valor mensal de 5 a 7 mil reais, que mal paga o funcionamento da estrutura, além dos constantes atrasos do pagamento. Em resumo, as organizações praticamente pagam para trabalhar.
Já fomos valorizados, já fomos destaque, a cidade e a natureza ganhavam com nosso trabalho. Hoje, somos excluídos, tendo uma lei de proibição de circulação de carrinhos e carroças na cidade, uma coleta seletiva privada, sistema de conteinerização de alto custo, sem inclusão e cheio de problemas contratuais. No mês passado, a Administração Municipal rompeu o contrato com a empresa de coleta e assinou um documento emergencial com outra.
No dia de se comemorar os 33 anos, assistimos a mídia festejando, com várias matérias em jornais e TVs. Mas nós não fomos chamados para a festa. Os veículos de comunicação sequer lembraram de nos ouvir, justamente as catadoras e catadores que sempre foram os protagonistas desse processo. Sinal dos tempos, do rebaixamento que temos sofrido nos últimos anos.
Entretanto não desistimos, nos organizamos no Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis e no Fórum dos Catadores de Porto Alegre, lutamos pela coleta seletiva solidária realizada pelas nossas organizações, por contrato com pagamento por serviços, pelo reconhecimento e valorização da categoria.
Viva as catadoras e catadores, viva a coleta seletiva, com votos que se torne solidária. De novo.
Obrigado a cada uma e cada um que separa adequadamente seus resíduos e encaminham com carinho para a reciclagem que ocorre pelas nossas mãos.
Alex Cardoso é catador, antropólogo e escritor, integrante do MNCR – Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis