Furar ou não furar? Eis a questão. Esse foi o nome da coluna (aqui) onde refleti um pouco sobre a questão material, em especial, da extração de petróleo em zonas naturais, como o Parque Nacional de Yasuní no Equador ou na Foz do Rio Amazonas, ambos no bioma amazônico — em seu sentido transnacional.
Mas a questão material não explica os vetores que movem esse desejo de furar e de extrair petróleo. A questão é ideológica-utópica. Se os termos utopia, ideologia e ontologia parecem por demais herméticos, uma das hipóteses é que a mídia mobiliza pouco essas nomenclaturas em seu sentido científico contemporâneo (mais sobre esse tema, aqui).
Bem, boa parte dos povos na região equatoriana, em especial do território de Yasuní — sem mencionar os povos da Cordilheira dos Andes que também aprovaram a não exploração de minérios em áreas de interesse dessas oligarquias extrativistas — está em festa. Vale comemorar. Uma vitória por dia.
Já no Brasil, o imbróglio político segue no que tange a questão material da extração de petróleo na Foz do Amazonas, em especial no Bloco 59. Não é sobre furar ou não furar. A questão é que tipo de ideologia irá prevalecer na arena política brasileira. De um lado, a sede por petróleo revela a sede insaciável por poder e acúmulo de mais capital na mão de poucos (a elite rentista — ver sobre o grupo Black Rock aqui). De outro lado, a vontade gutural de que os direitos das comunidades mais vulneráveis e a própria Natureza sejam reconhecidos, e principalmente respeitado em um ambiente democrático. Os famosos direitos da Natureza são instrumentos políticos. São ações diretas em um mundo que precisa preservar a Floresta Amazônica da sede do neoliberalismo totalitário.
De volta ao Equador. Há um tipo de utopia em construção por lá. Mas uma utopia realista — no sentido de Wright (2020 [2010]). Uma utopia que busca no mundo material produzir ações pragmáticas para romper com as estruturas dominantes — nesse caso, o poder concentrado das megacorporações de exploração de petróleo. É uma ecotopia pragmática que podemos ver no Equador.
É ontológica. Ontológica no sentido de reconhecer os povos originários e outros seres da Natureza como dignos de respeito e de ordenar seus territórios como lhes bem entender.
De volta ao Brasil, novamente, esta semana, a guerra climática — no sentido de Welzer (2015) — pode ser observada nos espaços (físicos e digitais) políticos. É uma guerra de narrativas políticas.
De um lado, Marina. De outro, Alexandre. De um lado, o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima. De outro, o Ministério de Minas e Energia. De um lado, a ecotopia pragmática e os direitos da Natureza. De outro, a utopia capitalista extrativista ilimitada. Lula e seus Ministros selecionados precisarão decidir, ao final do dia, que tipo de visão de mundo deve ser priorizada: 1) uma visão ancorada na ideologia extrativista sem limites e de pauta negacionista da atual emergência climática e seus efeitos já observáveis na pele (veja a excelente coluna de Sílvia Marcuzzo — dos efeitos nefastos nas mídias sociais, aqui) e 2) uma visão ancorada na utopia ecológica e de pauta no respeito da vida de todos os seres humanos e não humanos da flora e fauna (ainda existentes).
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Leituras críticas indicadas:
- Wright, Erik Olin. Envisioning real utopias. Verso Books, 2020.
- Welzer, Harald. Climate Wars: what people will be killed for in the 21st century. John Wiley & Sons, 2015.
- Ibama. Decisão do Ibama sobre pedido de licença para perfuração no bloco FZA-M-59, na bacia da Foz do Amazonas. 17/05/2023.
Sobre os programas para o Bioma Amazônico no âmbito transnacional: OTCA. http://otca.org/pt/
Foto da Capa: Província Petrolífera de Urucu, na Amazônia – Geraldo Falcão / Agência Petrobrás