Está em cartaz na Netflix uma série curtinha (são quatro episódios de cerca de 40 minutos cada) sobre lugares no mundo onde se concentram as populações com maior longevidade. Gente de 80, 90, 100 e até mais anos de vida. “Como Viver até os 100: Os Segredos das Zonas Azuis” é baseada no livro “Zonas azuis: a solução para comer e viver como os povos mais saudáveis do planeta” do pesquisador, jornalista e aventureiro Dan Buettner, o mesmo que conduz a série nos levando às chamadas zonas azuis, que ele visitou no início dos anos 2000 para fazer seu livro e agora a série.
Para quem está antenado em questões de alimentação e cuidados com a saúde, a série não apresenta muita novidade. Alguns fatores de longevidade nas tais zonas azuis são evidentes, mas outros nem tanto: alimentação adequada, atividade física, convivência comunitária e controle do estresse. E, como os estudiosos dessas regiões sempre enfatizam, não é necessário cuidar especialmente de sua saúde: é, sim, preciso estar atento e agir.
E é aí, minha gente, que a porca torce o seu knob. Quem de nós está disposto a cortar alguns deliciosos vícios de sua vida: carnes, álcool, glúten, carro, internet? Depois de tantos anos no “desvio”, será que ainda temos chance, condições ou mesmo interesse em viver cem anos? Buettner afirma que sim. Ao final deste texto, eu reproduzo nove dicas que ele cita em seu livro e que não estão listadas na série.
Mundo azul
Fala-se aqui e ali que estamos vivendo mais, que as crianças de hoje têm possibilidade de chegar aos 120 anos. Sim, muitos, sim. Mas é preciso fazer o recorte de quem são essas crianças. Certamente não estão na maior parte do Brasil, menos ainda na favela ou no Nordeste. Assim como existem as zonas azuis, é bem provável que exista um mapeamento de zonas vermelhas ou roxas; zonas de guerra constante, violência, fome, aridez e escassez. Também entrariam aí as zonas de abundância, mas com uma total falta de preocupação com o dito bem viver/bem comer. Porque a série deixa claro que é preciso muita disciplina e algumas privações para chegar aos cem. Bom, mas isso é outra abordagem. Voltemos ao mundo azulzinho.
Buettner nos conduz a cinco lugares: Okinawa (Japão), Sardenha (Itália), Icária (Grécia), Nicoya (Costa Rica) e Loma Linda, Califórnia (EUA). E nos mostra que as proporções de centenários nessas Zonas Azuis superam aquelas de qualquer outro local no mundo.
Parece que as pistas encontradas nessas comunidades se baseiam em pelo menos cinco fatores que parecem favorecer a espetacular longevidade e qualidade de vida de seus habitantes. Esses fatores estão relacionados à alimentação, atividade física, filosofia de vida, baixo estresse e relacionamento social.
Alimentação e atividade física
Nessas zonas azuis, as pessoas consomem muito mais produtos vegetais e peixes do que carne vermelha. Em algumas dessas regiões, o azeite e o vinho tinto também são consumidos regularmente. Além disso, os moradores tendem a comer devagar e não encher completamente o estômago.
Em Okinawa, essa prática é chamada de hara hachi bu, um segredinho simples que pode prolongar a vida: comer menos significa viver mais. Ou seja, nunca comer até estar totalmente saciado, ou no bom português: nada de encher o bucho até quase estourar!
Estudos realizados sobre a prática de “sair da mesa com fome” têm mostrado que ela reduz o número de diagnósticos de doença coronariana e de câncer. Essa regra foi instituída por Confúcio. De fato, a “dieta de Okinawa” defende a ingestão de quantidades não superiores a 80% do volume do estômago.
Outro hábito comum dos habitantes das zonas azuis é que eles não concebem um estilo de vida sedentário. Eles não frequentam centros esportivos: suas rotinas de vida incluem longas caminhadas ou passeios de bicicleta. Eles também trabalham nos campos ou jardins, o que lhes permite ter atividade física regular.
Propósito de Vida
Um dos fatores fundamentais que essas pessoas parecem compartilhar é o fato de que elas têm um motivo para acordar todas as manhãs felizes porque têm algo para fazer. Também em Okinawa, essa filosofia tem nome: ikigai. De acordo com ela, devemos ter um propósito na vida e não deixá-lo de lado com a idade. Isso não se refere a trabalho ou a conquistas econômicas. A questão aqui é o desejo e a possibilidade de fazer algo que realmente te faça feliz.
Gestão do estresse e relacionamento social
Outro aspecto que realmente parece influenciar a qualidade e o tempo de vida é sentir-se útil e desenvolver laços sociais que não se limitam exclusivamente à família. As pessoas que vivem na zona azul cuidam de seus amigos e evitam relacionamentos tóxicos. Elas participam ativamente dos círculos sociais e fazem tudo o que podem para o bem de suas comunidades. Em suma, elas compartilham bons momentos com outras pessoas.
A pesquisa se concentrou nas pessoas que vivem nas zonas azuis e seus recursos para lidar com o estresse. E o que se vê entre os entrevistados é que eles dificilmente sofrem com isso. Essas comunidades prestam atenção especial a aspectos como o descanso e a qualidade das horas de sono. Muitos praticam meditação ou técnicas de relaxamento muito antigas e têm crenças espirituais profundas.
Como construir sua própria zona azul
Ao final da série, espertamente, Dan Buettner deixa em aberto a ideia de que é possível estabelecer um plano para conquistar a sua própria zona azul. Digo espertamente porque essa lição está sobretudo em seu livro “Zonas azuis”; para aprofundar, é preciso comprar a obra. Eu já havia lido alguns livros do Buettner e resumo aqui (bem por cima) os nove passos que ele apresenta.
Nove dicas para viver mais:
– 1: Introduza ação em sua zona azul pessoal
Entenda pela ação a prática de atividade física suave e regular. Seria um erro preparar a maratona ao longo de seis meses, fazê-la e depois parar tudo! Comece caminhando 20 minutos três vezes por emana, depois cinco e depois todos os dias. Aumente para 30, 40 e 60 minutos.
– 2: Aplique a regra dos 80%
Nossos hábitos alimentares no Brasil são incrivelmente influenciados pela publicidade e pelos apelos de supermercado. Comemos demais porque somos constantemente incentivados a isso. Aqui está uma regra simples: só encha o estômago a 80% e crie o hábito de não sair da mesa dizendo a si mesmo “comi demais, não aguento mais!”.
– 3: Dica de equilíbrio da sua dieta vegetariana
Isso não vai agradar muita gente, mas o fato está aí: todos os centenários entrevistados comem pouquíssima, ou nenhuma, carne. Por convicção religiosa ou por falta de meios, o resultado é o mesmo. Portanto, lembre-se disso: limite ou evite carne e alimentos processados (como os embutidos, os biscoitos, as balinhas). Mas vá com cuidado: a carne fornece a proteína de que o corpo precisa; se você parar de comer carne, cuide para fazer isso aos poucos, tenha cuidado para manter uma ingestão de proteína de outras fontes.
– 4: Permita-se uma taça de vinho tinto no seu cardápio diário… mas não mais!
O título é bastante autoexplicativo: você pode se dar esse pequeno prazer diário. Por outro lado, cuidado com o abuso de álcool, porque seu efeito tóxico no fígado, cérebro e outros órgãos está bem explicitado.
– 5: Realize seu projeto pessoal
Os campeões de longevidade observados têm todos um motivo para se levantar de manhã. Pode ir desde visitar os netos, amigos ou outros familiares até um projeto mais ambicioso. É preciso construir um projeto de vida em qualquer idade da vida.
– 6: Encontre uma área de relaxamento
Nós gastamos muito tempo para alcançar o sucesso social e o conforto material. Adotamos o estresse como natural. Não é. Busque fórmulas para escapar disso, encontre momentos para relaxar. Um truque, entre outros, bem simples para aplicar no dia a dia: sair 15 minutos mais cedo do que a hora marcada para algum compromisso. Isso elimina o medo de chegar atrasado e o estresse que o acompanha! Simples assim.
– 7: Fortaleça a dimensão espiritual
Muitos dos centenários entrevistados pertencem a alguma comunidade religiosa. Estudos mostram, inclusive, que quem frequenta um culto religioso uma vez por mês tem uma expectativa de vida melhor. OK, não precisamos nos tornar religiosos, mas abra um espaço para a sua espiritualidade, busque algo mais; a vida não é apenas matéria.
– Lição 8: Crie uma zona azul familiar
Prioridade para a família. Esta noção está a cada dia mais minada entre nós. Famílias misturadas, separações, casas de repouso, transferências profissionais, tudo contribui para que o núcleo familiar se desfaça. Isso é exatamente o oposto do estilo de vida de idosos saudáveis. Na Sardenha, por exemplo, as pessoas passam muito tempo com suas famílias: era o que a gente fazia antigamente, não é? É tempo de retomada, de reencontro. Não é só família de sangue. Tem a família que você escolheu: os amigos. Não se fie em desculpas de falta de tempo. Construa esse tempo.
– 9: Fortaleça o núcleo duro da sua zona azul
Significa simplesmente cercar-se de pessoas que compartilham seus valores. Decidiu aplicar algumas dessas lições? Bom, mas será mais difícil se você souber que pessoas próximas a você estão relutantes. Elas estão no seu direito. Você também. Então busque se cercar de quem pode ajudá-lo em seu novo estilo de vida. Isso facilita demais.
Então, prontos para viver mais? Quem vai encarar?
Ah, é bom lembrar que, segundo o autor, para que um novo comportamento se torne sustentável, ele deve ser mantido por pelo menos cinco semanas… Depois disso, está quase ganho! É só continuar! Bora?
Revisão: Rodrigo Bittencourt
Foto da capa: Unsplash