Seguidamente alguém posta nos grupos que participo do coletivo POA INquieta, o POA INquieta Sustentável e POA INquieta crise clima_plante, situações e casos de árvores da nossa cidade que estão sendo podadas de maneira agressiva e exagerada, além da remoção de muitos vegetais. Eu mesma já fiz algumas destas postagens devido ao aumento abrupto destes casos. Muitos dos membros se indignam, se posicionam e a discussão ocorre com muita tristeza de estarmos presenciando um desmonte ambiental concretizado na frente dos nossos olhos. Como INquietos, ações já foram tomadas na tentativa de frear esta situação.
Sou bióloga e atuo como professora de ciências e biologia há 25 anos e, nos últimos dez anos, recebi o carinhoso título de “Profe da Natureza”, por coordenar a Educação Ambiental na Educação Infantil, implementar a disciplina de Educação para a sustentabilidade, nos anos iniciais, e conduzir o Núcleo de Sustentabilidade, na Instituição onde atuo. Promovo o amor à natureza e, ao mesmo tempo, o conhecimento para enfrentar o desafio que é viver com sustentabilidade. Ensinar valores e ações responsáveis individuais e coletivas, de cada cidadão, pauta minhas aulas e muitos projetos que desenvolvo com esta missão. Durante a pandemia, por exemplo, montamos um álbum virtual intitulado “Abraçando as árvores” (se quiser conhecer só clicar aqui Abraçando árvores), onde os estudantes foram estimulados a registrar fotos e postar no padlet, como forma de aproximá-los da natureza existente no seu entorno. Da mesma forma construímos outro álbum colaborativo de pessoas gravetos Exposição virtual Pessoas gravetos. Também, entre outros projetos, desenvolvi juntamente com os alunos do Núcleo de Sustentabilidade, no ano de 2021, um informativo virtual com orientações aos cidadãos sobre plantio, podas e remoção de vegetais. Pesquisamos e elaboramos, com linguagem acessível à população, enviamos para a SMAMUS (Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade), que revisou e validou as informações de manejo, tanto na área interna quanto no passeio público. Foi nosso presente para os 250 anos de Porto Alegre. Este material está disponível em ArborizAÇÃO NUS
Compreendo que a arborização urbana, em cidades grandes, como é o caso de Porto Alegre, não é tarefa fácil. Durante a graduação, fiz estágio na antiga SMAM (Secretaria Municipal do Meio Ambiente), no Departamento de Parques Praças e Jardins, e desempenhava atividades de vistoria em árvores, solicitadas pela população para poda de galhos e raízes. Muito aprendi com o biólogo Flávio Barcelos, que na época me explicou, entre tantos ensinamentos, que as podas nas árvores, realizadas costumeiramente no inverno em anos anteriores, eram na verdade a causa do comprometimento dos troncos, cuja água da chuva penetrava e os necrosavam, ocasionando a queda das mesmas em temporais e/ou fortes chuvas. Na época, a solicitação de corte e poda era autorizada e realizada pela equipe técnica da SMAM. No caso de podas junto à fiação, pela CEEE (Companhia Estadual de Energia Elétrica).
Uma das formas de melhorar o atendimento à população, cuja prefeitura acumulava cerca de 7,5 mil protocolos de atendimento em 2019, segundo reportagem de Joyce Heurich, em G1 RS, foi a lei sancionada no mesmo ano: podas, supressões, transplantes e plantio compensatórios de vegetais nativos ou exóticos, são solicitadas mediante laudo técnico e ART de profissional legalmente habilitado e autorizadas pela SMAMUS. O serviço então passou a ser realizado por equipe técnica, sob a responsabilidade deste profissional. Entretanto, acredito que entre o que foi planejado e o que realmente está acontecendo há sérias diferenças. Estamos presenciando em Porto Alegre podas descabíveis, não levando em conta o local do corte no vegetal ou mesmo o equilíbrio do mesmo. O que estamos presenciando é um arboricídio. Vejo árvores tão podadas que só sobrou o tronco. As próprias podas nos galhos junto a fiação elétrica, embora entenda que a intenção é preventiva, vem acontecendo como nunca havia acontecido nos últimos 30/40 anos. Eu pelo menos não lembro de presenciar ruas inteiras tendo suas árvores podadas como tenho visto.
Com relação à supressão de vegetais, também nunca tinha presenciado tantas árvores sadias sendo removidas. Diferentes interesses podem motivar o cidadão a solicitar a remoção e contratar um profissional para esse laudo: tanto pode ser casos de real risco de queda de um vegetal comprometido como pode ser pelo “incômodo” que este vegetal pode causar como gastos com calçamento em função das raízes, floração exacerbada, “sujeira” das folhas ou mesmo a frutificação que causa transtornos. Ou seja, fica a critério do cidadão a motivação, bem como a contratação do profissional para emitir uma ART, que ao receber a autorização, executa. Isso sem falar na exploração imobiliária.
Cabe a SMAMUS autorizar e também FISCALIZAR e, caso identifique o serviço inadequado, tomar medidas e responsabilizar o profissional. Se a prefeitura tinha 7,5 mil protocolos de atendimento, por questões óbvias, não consegue fiscalizar todas as autorizações emitidas, quer seja de poda e ou supressão. O setor público confia que este profissional seja ético e responsável, o que acredito que um grande número realmente o seja. Mas aí entra também o nosso papel de cidadão: ficar atentos e questionar as autorizações, verificar se existem, se realmente são pessoas capacitadas em realizar cortes e, caso não sejam, denunciar. Para isso existe o 156.
Nem todos conseguem compreender a importância da manutenção da vegetação e a interdependência que se estabelece com a vida, da maneira que nos permite sermos seres vivos. Apesar de não serem os principais fornecedores de oxigênio ao nosso planeta, as árvores fornecem oxigênio, gás que respiramos. São patrimônios ambientais urbanos, abrigando pássaros e uma biodiversidade linda, fornecem alimentos, sombra, diminuem a temperatura, preservam o solo, e além do embelezamento, são sumidouros de carbono naturais. Em meio a crise climática que estamos vivendo, onde a cada dia emitimos mais e mais gases do efeito estufa, entre eles o dióxido de carbono (CO2), manter as árvores é questão de sobrevivência.
Porto Alegre hoje, juntamente com Belo Horizonte, é a 3ª cidade mais arborizada, tendo à sua frente Goiânia e Campinas. Já esteve mais à frente, em 2º lugar, resultado de trabalhos de entidades importantes e ambientalistas gaúchos que tanto nos orgulham, como José Lutzemberg e Augusto Carneiro. Que tenhamos lucidez de juntos, honrá-los e manter nossa cidade arborizada.
*Cláudia Padão Rovani é bióloga, professora, coordenadora do Projeto São Judas Sustentável, líder climática do Climate Reality Project.