Meu primeiro impulso ao receber duas viagens para os Estados Unidos, como prêmio pela frase mais criativa em um concurso do Telecine, foi recusar as passagens, o hotel e os passeios.
Eu passava por um dos momentos mais difíceis da minha vida, após recuperar-me de uma doença rara e grave – diabetes insipidus, quando os rins se tornam incapazes de reter água adequadamente – que os médicos demoraram mais de seis meses para identificar e que havia feito com que eu, em busca do diagnóstico e tratamento, decidisse parar de atender à maioria dos clientes da minha assessoria de comunicação.
Depois de curado, veio um novo problema.
É geralmente doloroso e negativamente surpreendente o processo que se segue à recuperação da saúde física, quando agora a necessidade é de recuperar a saúde financeira.
No início, há solidariedade, uma carinhosa e compreensiva rede de parentes, amigos e até mesmo desconhecidos, que abraçam quem acaba de passar por uma grande adversidade. “Poxa, ele acabou de passar por um grave problema de saúde!” Mais alguns meses, se você responde com transparência à simples pergunta de “como vai?”, até mesmo algumas das pessoas que torcem por você, pensam sozinhas ou dividem com os amigos um “ele sempre está cheio de problemas”. Não importa se você saiu de casa aos 19 anos para ser independente, se sempre pagou suas contas, fez faculdade, construiu um nome e tem uma empresa conhecida e respeitada.
Mas eu falava sobre as duas viagens, que quase recusei, tamanha a vontade e a batalha diária que travava para colocar tudo novamente no seu devido lugar. Além disso, a sensação da cobrança dos outros e as que eu mesmo fazia estavam me deixando sem ânimo, para baixo e triste; só não derrotado porque nós, gaúchos, aprendemos desde cedo que “não está morto quem peleia”!
Eu tinha urgência de resolver meus problemas e de buscar novos e antigos clientes para pagar as dívidas, mas a minha irmã, Jussara, estava em final de um tratamento de câncer, com o cabelo raspado e resolvi aceitar a viagem somente para alegrá-la.
Embarquei sem ânimo e cheio de questionamentos, mas fingindo felicidade, para os Estados Unidos.
Quando desembarcamos em Nova York, um frio danado penetrou na espinha. Mesmo com a minha irmã ao lado, meu primeiro pensamento foi “o que estou fazendo aqui?” Mas logo chegamos ao grande saguão do aeroporto e visualizei um homem segurando um cartaz de papelão: “Welcome, Mr. Winner!” Logo abaixo havia meu nome e o do Telecine!
Meus olhos se encheram de lágrimas e o coração de esperança. Mais ainda, de orgulho e convicção.
Foi transformador!
– Não sou um perdedor. Não sou um derrotado. Passo por um momento dificílimo não por preguiça ou incompetência, mas por uma questão de saúde. Quase caí, mas vou me levantar. Até ganhei um concurso com uma simples frase! Eu sou um vencedor!
Claro que entendo quando especialistas das mais diversas áreas dizem que devemos encontrar a força dentro de nós mesmos. Isso também é importante. Mas não é verdade que toda a força para superar as adversidades está dentro da gente.
Aquela placa, erguida por um desconhecido, foi fundamental para que eu recuperasse a autoestima. Um cartaz, uma palavra amiga, o estímulo de um parente ajudam demais quando precisamos superar um grande obstáculo.
Precisamos do outro. Dos outros.
Mesmo no amor!
Obviamente, para se ter um amor real e saudável, é necessário antes de mais nada ter autoestima. Amor-próprio. Mas – será que você já passou por isso? – quando por muito tempo só a gente se ama, aos poucos passamos a questionar até mesmo o próprio amor. “Se só eu me amo, será que esse amor é fruto de um erro de avaliação, de um mau gosto, uma loucura?” Mas quando mais alguém que amamos nos ama – descobre no meio da multidão o quanto somos belos e especiais – ai, que maravilha, a gente percebe que ganhou dois amores. O da pessoa que nos ama e o nosso amor-próprio, que vem inteirinho de volta. “Sim, eu estava e estou certo em me amar.”
Precisamos dos Outros!
Por isso, enquanto escrevo essa crônica de estreia para a “Sler”, confesso, sem medo de ser piegas, que estou emocionado.
Em um dos seus mais importantes poemas, “Mundo Grande”, o maior poeta do Brasil, Carlos Drummond de Andrade, define já na primeira estrofe a urgência que o artista tem em dividir seu mundo com os leitores:
“Não, meu coração não é maior que o mundo. É muito menor. Nele não cabem nem as minhas dores. Por isso gosto tanto de me contar. Por isso me dispo.
Por isso me grito.
Por isso frequento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias.
Preciso de todos.”
Estarei aqui semanalmente expondo minha opinião sobre assuntos variados – sejam os mais discutidos no momento, sejam aqueles que encontrarei em um cantinho quase escondido nos jornais e revistas ou cenas e histórias que vivi ou observei no cotidiano.
Espero que os textos sejam dignos da confiança do CEO e Publisher, do colega Leo Gerchmann que me apresentou para o Luiz Fernando Moraes e, claro, dos leitores que acompanharem a minha coluna.
Foto da Capa: Freepik
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