Como moradora do bairro Menino Deus, há mais de 20 anos, estou muito preocupada com as alterações promovidas pela Prefeitura de Porto Alegre na concessões de áreas públicas. Sem ouvir a comunidade, a atual administração está passando para a iniciativa privada áreas que receberam enorme investimento público para sua construção, embelezamento e manutenção, como parques e praças. São espaços valiosíssimos para a cidadania, não só para os bairros, mas para toda a cidade.
O exemplo mais trágico disso é a situação do Parque Harmonia, que se encontra devastado e sem o cuidado de quem o deveria cuidar: a Secretaria de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, o Ministério Público do RS e, por derradeiro, o Tribunal de Justiça do Estado do RS. A SMAMUS autoriza projeto que transforma os parques de áreas verdes urbanas em parques de diversão; a Promotoria que não fiscaliza as ações públicas e privadas que agridem o meio ambiente e faz ouvidos moucos às reclamações da sociedade; e a instância superior do Judiciário que privilegia o aspecto formal, beneficiando o infrator, e não o aspecto fundamental, protegendo bens públicos de uso comum do povo.
Tais eventos desacreditam as instituições e provocam revolta e reação dos cidadãos e cidadãs que têm noção do significado do tamanho estrago provocado em uma das áreas mais importantes para a preservação da biodiversidade dentro da zona urbana. O resultado disso é a formação de grupos se formam em defesa desses espaços públicos, como o Preserva Redenção, Preserva Marinha, Salve o Harmonia, dentre outros, em diferentes regiões da cidade.
Infelizmente, agora o Parque Marinha do Brasil parece ser o próximo alvo: seu edital para concessão já está em andamento. A intenção da prefeitura é liberar a exploração comercial, para a instalação de restaurantes e outros empreendimentos gastronômicos, arvorismo, beach tennis, parques de diversão, passeios de balão, arena de eventos, mais estacionamento, locais para publicidade etc. As atividades comerciais são exemplificativas e não taxativas, podendo outros negócios ser inseridos no parque e orla.
Em plena crise climática, onde, cada vez mais, se faz necessária a luta contra o desmatamento, o cuidado com a água, o uso de novas fontes de energia sustentáveis, a redução da emissão de CO2 e a recuperação de áreas degradadas, constatamos, em nossa cidade, uma prática retrógrada e perigosa de derrubada criminosa de árvores. Isso tudo acarreta a expulsão da fauna local, a impermeabilização do solo, privilegiamento dos automóveis em detrimento dos pedestres e ciclistas. Essa gestão de Porto Alegre está caminhando para trás, para o passado. O futuro aponta para cidades sustentáveis, com espaços públicos cada vez mais verdes, com maior espaço para os pedestres, bicicletas, skates e afins, com uma mobilidade urbana baseada em transporte público sustentável e de qualidade, que evite o uso individual de automóveis.
A experiência das grandes cidades, que privilegiaram a concentração de grandes prédios, grandes avenidas para automóveis, impermeabilização total de suas superfícies e desprezo pelo espaço público de áreas verdes e de convívio da comunidade, demonstrou-se trágica para o Planeta Terra e seus habitantes humanos e de outras espécies.
Por isso, o que nos resta é nos mobilizarmos, a partir de mobilizações cidadãs, para tentar impedir que nossa cidade sofra esse retrocesso socioambiental promovido por quem tem o dever de cuidar o que é de todos: a própria prefeitura.
*Amanda Cardoso é advogada, integrante dos coletivos Preserva Marinha, Preserva Redenção, Salve o Harmonia, AtuaPoa, conselheira da Agapan e integrante do POA Inquieta Sustentável.
Foto capa: Sílvia Marcuzzo