Em meio a declarações e intenções que jamais alguém em sã consciência poderia imaginar pouco tempo atrás – leia-se um país se apossar da Groelândia ou mudar o nome de Golfo do México para Golfo da América –, estamos acompanhando uma sequência de atitudes que qualquer pessoa com algo mais entre as orelhas (sempre lembro daquele slogan da inesquecível rádio Ipanema FM) fica estarrecida. Pois é: o cara se banca. Diz o que quer, se acha o dono do mundo. Será que essas elucubrações são só da cabeça dele?
Essas situações, que você que me lê sabe de onde vêm, têm me feito pensar e relacionar algumas situações. Atiçaram-me ainda mais depois que li o livro da colega de jornalismo da Famecos “sozinha é o dobro” (com minúscula mesmo), da Patrícia Berton. Clique aqui para conferir.
Primeiro, quero deixar claro que a Tita, como é conhecida, não tem nada a ver com o atual presidente dos EUA. A não ser que ela se banca, como o dito cujo.
O livro da Tita, lançado em 2019 pela Alameda Editorial, é uma obra onde a autora mostra sua coragem, sua determinação e não só “mata a cobra e mostra o pau” (um ditado aqui dos pagos), deixa claro o quanto a garra, o poder de uma rede de amizade de mulheres pode superar muitos obstáculos. Mas tudo isso, porque ela se banca. Ela ousou algo que eu até hoje fico procrastinando: fazer um livro autoral.
A vivência da Tita mexeu demais comigo. Hoje, com 55, vejo o quanto preciso aprender e vencer meus monstros internos que me aprisionam. E olha que quem me conhece pode achar que não sofro desse problema. Precisamos saber nos bancar para enfrentar os desafios da vida. Isso não é algo simples, pois requer uma série de percepções e de botões desligados de foda-se.
O livro dela reúne um apanhado de textos, na verdade desabafos, que ela escreveu no seu blog. Desde 2008, ela usou a escrita como um caminho para superar as dificuldades em ser uma mãe solo com duas crianças pequenas. A ideia de usar a escrita para essa finalidade partiu do pediatra dos filhos dela. Ela passava por uma fase de insônia. E tudo isso precisando trabalhar o dia inteiro e ainda dar conta de tudo que envolve a manutenção de uma casa e da criação dos rebentos. A trajetória da Tita serve para encorajar mulheres que precisam despertar o quanto é possível fazer do limão uma limonada.
O texto repete os sentimentos da protagonista. Ela se queixa, se indigna. Isso também é um motivo para nós reconhecermos: precisamos colocar pra fora, de algum jeito, aquilo que ficamos remoendo dentro de nós. Depois que terminei de ler as 290 páginas, mandei algumas perguntas para ela, já que não encontrei as respostas no livro. E aí, também me dei conta: não precisa explicar tudo. Talvez seja uma mania de jornalista querer deixar tudo às claras.
Mas, no caso, as mensagens do livro serviram para cutucar, dar uma sacolejada na inércia de quem não acordou para outras possibilidades da vida, como encontrar prazer em viajar de carro de SP a POA com os filhos e não ter problema em dizer que gosta de ganhar presentes ou se presentear.
Tita escreve contando situações e cita pessoas que a marcaram ao longo da infância, no Rio Grande do Sul. Ela procurou explicar o contexto do que é o viver no estado dos gaúchos. Creio que há coisas que, para quem mora por essas bandas e nunca saiu daqui, não tem noção do quanto há um universo a ser descoberto fora do território onde se festeja o 20 de setembro. O céu de Porto Alegre, o que é ser descendente de alemães e também evidencia, mas não escancara, o quanto precisamos sair do RS para conseguir prosperar como editora, redatora, enfim, sendo jornalista.
Ela também lançou um livro de poemas, sobre o mesmo tema: Juro que não vou gritar.
Como estou em um momento de muita angústia por estar aprendendo um tanto de coisa, mas, ao mesmo tempo, não vendo entrar recursos financeiros, ou melhor, grana, dinheiro para pagar meus custos básicos, ter lido as mensagens da Tita foi um empurrão para eu decidir algumas coisas.
Primeiro, perder a vergonha de pedir ajuda. De dizer que preciso de apoio para as diversas atividades não remuneradas que faço. Talvez tenha gente que não tenha ideia do que é ser uma jornalista independente que trabalhe com pautas ambientais.
Segundo, porque com o strip tease de alma dela, me dei conta do quanto estou amarrada em tantas crenças daquela guria de Cachoeira, sobre o que os outros vão pensar a respeito das minhas atitudes. Tita veio de uma família de classe alta, viajou pelo mundo, inclusive a conheci no meio do curso de jornalismo, quando ela tinha recém-voltado de um tempo fora do país.
Tenho dúvidas se alguma editora da Capital gaúcha iria bancar o livro da Tita. Sei de livros incríveis que, para serem publicados, os autores tiveram que pagar para saírem. Ou seja, como tenho raízes entre as coxilhas do Pampa e a Mata Atlântica, o negócio é tentar fazer acontecer por aqui mesmo, no Rio Grande do Sul.
O mundo, o Brasil, o Rio Grande do Sul, Porto Alegre, precisam de gente que se banque. Mas que não pense só em si ou no lucro que vai gerar. O atual contexto exige que haja gente que mostre outros lados do que estamos atravessando. Nem redes sociais, nem veículos convencionais de comunicação estão dando conta de evidenciar o que necessitamos. Não dá para enfrentar tantos desafios sem a gente ter outras interpretações diante de tanta coisa que está acontecendo.
E ela cita algo que não podemos perder de vista, o quanto o tempo voa, através dos versos do Quintana.
A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª-feira…
Quando se vê, passaram 60 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente…
E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas
Por tudo isso, preciso do seu apoio
Por muito tempo, venho ensaiando lançar uma campanha de financiamento coletivo para meus leitores e leitoras da Sler. Meus textos têm sido republicados em outros sites, plataformas, e tenho tido um significativo retorno, inclusive de leitores que não conheço.
Então, chegou a hora de colocar a proposta na rua. Nos próximos meses, ainda será preciso captar recursos para a concretização do Atlas Socioambiental de Viamão, um dos projetos que destinei uma energia brutal em 2024. Se tudo der certo, esse projeto será concretizado em 2025.
Descobri que sou polímata, faço várias coisas diferentes e isso é da minha natureza. E quanto mais velha, digo, experimente fico, mais me dou conta de que tenho prazer em fazer coisas distintas, como cantar, fazer cerâmica, ser síndica e jornalista.
A ideia da campanha para que eu possa continuar escrevendo textos e ir exercitando a musculatura do cérebro para que eu possa ter o meu próprio livro – sobre as tantas coisas que já vivi e presenciei – é oferecer recompensas para apoiadores, que vão desde ser incluído em uma lista para receber dicas, textos e informações até sorteio das minhas peças de cerâmica. A intenção é, no futuro, criar um clube, um grupo para encontros online ou presenciais, com a promoção de atividades para sairmos das telas e redescobrirmos a natureza.
E aí, posso contar contigo? Bora?
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Foto da Capa: Gerada por IA.