Sou uma das Articuladoras do POA Inquieta, e essa semana “bombou” nos grupos do coletivo um tema que levei à discussão, pois faço parte do grupo Prato Feito das Ruas, que há seis anos e meio trabalha debaixo do Viaduto Imperatriz Leopoldina (também conhecido como João Pessoa ou Brooklyn), no Centro Histórico de Porto Alegre. No Viaduto, entregamos aos sábados café da manhã e, em média, 1200 marmitas no almoço, para cerca de 700 pessoas em situação de rua ou em vulnerabilidade social (pessoas beirando a situação de rua, como desempregados, catadores e aposentados).
Em um país onde de cada 10 pessoas, seis vivem em insegurança alimentar, dar de comer a quem tem fome, já seria uma tarefa nobre. Porém, no nosso caso, a alimentação é meio não é fim, temos um forte vínculo com as pessoas que atendemos, sabemos o nome de muitas que servimos. Assim, essas pessoas em situação de vulnerabilidade, carentes do Estado, entendem que outros grupos que nos acompanham também são confiáveis como nós.
Nesse contexto, parcerias com outros grupos foram feitas para que levássemos mais dignidade para essas pessoas, para que a transição da rua para outra situação fosse oferecida, para que as portas de acesso ao Estado fossem mostradas e abertas. Porém, esse é um processo que exige tempo. Ainda nessa 2ª feira, no lançamento da Frente Parlamentar da População de Rua, no Fórum Social Mundial, ouvi o depoimento do Edisson, coordenador do Movimento Nacional do Povo de Rua do RS, e lembrei disso, pois ele contava que levou 23 anos para sair da rua. Muitas vezes o que é cristalino para nós é um aprendizado muito difícil para o outro, quem não vivenciou isso na sua vida?
Em parceria com o Prato Feito das Ruas trabalham os grupos: Barbeiros na Rua (fazendo cortes de cabelo e barba, além de pedicure e manicure), Banho Solidário (oferecendo banho quente, kit higiene e roupas limpas), Médicos do Mundo (Laboratório de Rua, Mentes de Rua, Enfermagem de Rua, Médicos Veterinários, Médicos do Mundo, Reabilitação de Rua), Igualdade RS (equipe multidisciplinar que leva exames rápidos de hiv/dst e atende a população lgbtqiap+) e a própria Prefeitura atua conosco realizando vacinação e com o projeto “Fique Sabendo”, da Secretaria da Saúde”.
Em torno dessa causa construímos uma grande comunidade da solidariedade e da empatia: os mais de 300 voluntários do PF das Ruas e grupos parceiros. Os doadores, pessoas e instituições que viabilizam nossa atividade por meio da entrega de alimentos, levando diretamente lá no Viaduto, ou em dinheiro, como a dona Leda Molina, que mensalmente nos envia um pouquinho da sua aposentadoria, e os associados da AJURIS, AJUFERGS, Grêmio Náutico União, Rotary e funcionários do BANRISUL. Todos esses doam seu tempo e seus recursos em prol das pessoas que precisam, mas que em troca recebem a satisfação da gratidão e de saber que estão realizando um trabalho importante para a sociedade. Uma rede onde muitas vezes um não conhece o outro, mas que os laços são tão fortes quanto os de sangue porque são feitos pela paixão do propósito em comum.
Agora estamos sendo ameaçados de sair do Viaduto! Dia 11 de janeiro, ao chegarmos no Viaduto, encontramos contêineres instalados e a empreendedora, que nos contou ser a adotante da área, disse que uma servidora da Secretaria de Parcerias Estratégicas havia lhe afirmado que estava negociada pela Prefeitura a nossa saída de lá. Mas a gente sequer sabia que um edital de contrato de adoção tinha acontecido! No dia 16, em reunião com o Secretário Municipal do Desenvolvimento Social, ele nos afirmou que a visão da Prefeitura é diferente da nossa e que ela pretende “descentralizar” o atendimento da população de rua. Com essa afirmação, entendemos que ela não quer que a gente siga atendendo no centro da cidade! Mas por que escolhemos este Viaduto e é importante continuar nele? O centro da cidade é onde se encontra a maior parte da População de Rua da cidade, este Viaduto está localizado entre o bairro Cidade Baixa, o Parque da Redenção e a Orla do Guaíba, área de passagem e de fácil acesso dessas pessoas.
Entendo que o Poder Público deve buscar atender a todos os seus cidadãos, mas acredito que entre eles precisa priorizar aqueles que mais necessitam. Se a atitude da Prefeitura de retirar o Prato Feito das Ruas do Viaduto e os seus grupos parceiros se confirmar, significa que irá prejudicar os mais pobres, os mais fracos, os mais frágeis da nossa sociedade.
Compreendo que o Poder Público desenvolva um projeto de revitalização, embelezamento e em busca de maior segurança nas áreas públicas e de passeio da cidade. Parabenizo a iniciativa. Mas fica a pergunta: no que o Prato Feito das Ruas e os grupos parceiros representam risco a esses objetivos? Minha percepção é de que valorizamos o espaço enquanto local onde se demonstra o quanto a Capital demonstra sua humanidade, possibilidades de buscar a inclusão, aliviar a fome, sua solidariedade e sua rede de amor. E, se assim é, podemos coexistir com a nova adotante, certo?
Nesta próxima 5ª feira, às 16h30, temos reunião agendada com a Secretária de Parcerias Estratégicas. Esperamos que nela finalmente a Prefeitura de Porto Alegre nos ofereça o reconhecimento do trabalho de interesse público e relevante que prestamos para a Capital no Viaduto da João Pessoa.
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Karen Garcia de Farias é articuladora do Coletivo PoA Inquieta, Embaixadora do Movimento Lab60+, consultora na Longevida, consultoria especializada na área do envelhecimento. Graduada em Comunicação Social, Pós-graduada em Marketing pela ESPM, Pós-graduanda em Neurociência e Comportamento pela PUCRS. (foto Raquel Lau)