“Quando nós rejeitamos uma única história, quando percebemos que nunca há apenas uma história sobre nenhum lugar, nós reconquistamos um tipo de paraíso.” O trecho acima, que faz parte da obra “O perigo de uma história única”, da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, demonstra a importância da diversidade quando observamos as perspectivas na construção de narrativas com mais igualdade e equidade. No jornalismo, essa ideia deve ser vista observando a necessidade de ampliar a presença de profissionais negros nas redações, de forma a proporcionar que vivências plurais ampliem as pautas (temas que serão investigados para que virem reportagens) possam pautar e enriquecer a cobertura jornalística.
O perfil racial da imprensa brasileira ainda expõe profundas desigualdades. A pesquisa Perfil Racial da Imprensa Brasileira (2021) revelou que, entre os profissionais entrevistados, 98% apontam dificuldades na ascensão de carreira quando comparados aos brancos. Além disso, 61,8% das funções gerenciais são ocupadas por pessoas brancas, enquanto apenas 39,8% são preenchidas por profissionais negros. Já nos cargos operacionais, ocorre o inverso: 60,2% dos funcionários são negros, demonstrando a falta de equidade na distribuição das funções.
Esses números evidenciam um desafio que não se limita ao jornalismo tradicional. No setor de comunicação corporativa, o Anuário da Comunicação Corporativa 2024 confirma essa disparidade: mulheres brancas ocupam metade das posições, enquanto homens brancos representam 21,3% do total. Já entre os profissionais negros, mulheres pardas compõem apenas 9,9%, homens pardos 6,5%, mulheres pretas 5,2%, e homens pretos, apenas 4,4%. Em um país onde 55,5% da população se autodeclara negra, essa sub-representação escancara a urgência de mudanças estruturais.
A inclusão de jornalistas negros nas redações não é apenas uma questão de diversidade numérica. Trazer os olhares desses profissionais permite o surgimento de pautas sob novos “ângulos” e perspectivas, o que enriquece a análise dos acontecimentos que fogem da visão “convencional” predominante.
O centenário de nascimento do líder afro-estadunidense Malcolm X, neste mês de maio de 2025, reforça essa discussão. Sua trajetória marcou a luta por justiça racial e pela autonomia intelectual da população negra. Malcolm compreendia o papel da informação na desconstrução de estereótipos e no empoderamento de sua comunidade. Seu legado inspira a necessidade de ampliar a presença negra nos espaços de comunicação. Aqui no Brasil, veículos do trade negro cumprem esse mesmo papel desde o século XIX, com o lançamento do jornal “O Homem de Cor”, criado pelo jornalista Francisco de Paula Brito, no Rio de Janeiro.
Se a imprensa pretende refletir a sociedade com precisão e justiça, ela precisa ampliar o campo de abordagem sem “reproduzir” um recorte limitado da realidade. A diversidade nas redações não é apenas uma meta a ser alcançada, mas sim um requisito essencial para um jornalismo verdadeiramente democrático e inclusivo.
Glauco Figueiredo Santos é jornalista com 20 anos de atuação, é consultor de DEI com recorte pilar racial. Ele é o criador do perfil @omowale_br e integrante da Comissão Antirracista do Colégio João XXIII (Porto Alegre) e pós-graduado em “História da África e da Diáspora Atlântica” Lato Sensu do Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos (IPN).
Todos os textos dos membros da Odabá estão AQUI.
Foto da Capa: Freepik