Hoje é aniversário do meu filho Cássio, 22 anos, e sou eu quem ganha o presente. A cada dia e a cada ano da existência dele. É o melhor da minha vida, esse filho de sorriso fácil e largo, espontâneo, tranquilo e sempre disposto e aberto à família e aos amigos, naturalmente amoroso. Fui mãe aos 40, sem qualquer planejamento, um presente Divino, não por acaso o nome do pai, que legou genes futebolísticos ao guri, tamanha a sua paixão pelo esporte. A semelhança física se estendeu já desde muito cedo para a identidade do Divino Fonseca com a bola, jornalista esportivo, batizado por Juca Kfouri como o “Dostoiévski dos pampas”. Cássio era um pimpolho e deitava no chão com dois lápis de cor e uma bolinha de papel e simulava partidas com narração em tempo real. Era perfeito, lindo de se ver. Ao lado, tinha sempre um caderno onde constava a escalação dos times e ia fazendo anotações de desempenhos. Depois estudava suas impressões e fazia novas escalações, com inúmeras simulações, considerando jogadores do mundo todo, suas atuações, pontos fortes e fracos, a situação de seus clubes, as viabilidades financeiras, etc. Até hoje me admiro com o conhecimento que uma criança tão pequena podia ter do universo da bola. Só herdando do pai via genes mesmo, porque por mais que os dois trocassem informações sobre futebol – conversavam muito, viam e iam juntos aos jogos, ouviam e assistiam programas de rádio e TV – era algo que já vinha no sangue. Tanto que nem piscou para decidir qual faculdade cursaria, foi direto para o jornalismo e se formará em 2025 na Famecos/PUCRS.
Há um ano e meio é estagiário na editoria de Esportes do Jornal do Comércio e se sente realizado na profissão, feliz com o convívio na redação, esse ambiente que nós, jornalistas, sabemos tão singular, vivo, pulsante. Observo dia a dia o seu crescimento, o amadurecimento, a segurança que vai adquirindo nas coberturas esportivas, nas entrevistas com dirigentes e jogadores, no texto cada vez mais claro, limpo e criativo. Igualmente nos trabalhos da faculdade, recentemente seu grupo ganhou o prêmio entre 600 trabalhos de Jornalismo em Áudio com um podcast inventivo e super bem executado. Agora, já começou a elaborar o seu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso), que tem o tema “A linha tênue entre jornalismo e entretenimento nas coberturas esportivas: uma análise da transmissão da final do futebol feminino nas Olimpíadas de Paris 2024, pela CazéTV”. Não é coisa de mãe coruja, acreditem, o rapaz tem a vocação mesmo. E a determinação. Aqui entro eu também, jornalista de outras paragens, mas igualmente convicta da beleza e do poder dessa profissão e determinada como costumam ser os aquarianos – dizem que quando colocamos uma coisa na cabeça é mais fácil arrancar a cabeça do que a ideia da cabeça. Cássio é assim e ainda mais, duplamente determinado, pois o Divino também é aquariano – talvez eu devesse dizer “era”, pois partiu deste mundo em dezembro de 2022, mas ao partir ninguém nos deixa, por mais que doa e dói demais, é uma desconexão material, o amor segue presente, eterno.
Aliás, por conta da partida do Divino, fizemos uma viagem memorável, no ano passado, para a Espanha e Portugal. O time Barcelona e o estádio do Camp Nou eram um sonho do filhote desde sempre e decidi que chegara a hora de irmos assistir um jogo lá, homenagear o pai e nos consolar. Cássio conseguiu ingressos para Barcelona x Valência, no início de março, e fez um domingo de sol luxuoso. Pela manhã, passeamos no teto do Bus turístico e nos deslumbramos com Barcelona e seus prédios antigos com sacadinhas inspiradas, a arquitetura de Gaudí, as marinas, os palácios, o bondinho, etc. Ao chegar no estádio, a alegria com a multidão já no entorno. Entramos no pátio e saímos dançando com a banda e os bonecos, amo bonecos dançarinos. Cássio adorou o ambiente, o clima, as estátuas dos jogadores, as esculturas, os painéis, tudo. Então, já acessamos as arquibancadas. Foi preciso segurar o fôlego, pois a proximidade do campo é quase palpável, dá a sensação de estarmos dentro do gramado – “joguem uma bola aí, faz favor!”. O Camp Nou comporta 100 mil pessoas e neste domingo nos juntamos aos 90 mil presentes, cantando e torcendo. Foi uma coisa majestosa, linda. Seguimos de trem para Bilbao, queria muito ver Richard Serra e Miró no Museu Guggenheim, e depois Portugal. Nossos amados primos Floriano Spiess Neto e Giuliana Oliveira (minha irmã de alma) estão morando em Cascais e era enorme a expectativa de reencontrá-los. Tivemos tantos carinhos, tantos cuidados, tanta alegria junto com eles, que Portugal nos ficou marcado de uma forma toda especial e literalmente deliciosa – o Neto é um chef consagrado e Giuli uma doceira de mão cheia. Voltamos ao Brasil revigorados.
O Cássio é um baita companheiro de viagem. Já fizemos várias. Quando era criança, sempre com o pai junto, desde inúmeros passeios pelo Rio Grande do Sul e Santa Catarina, onde nos deslumbramos com a natureza – como na Lagoa do Peixe com os flamingos – e nos divertimos à larga com cavalgadas, trilhas nos cânions, banhos de mar e de areia, jogos de bola, frescobol e cartas, até incursões pelo Rio de Janeiro e Brasília. Depois, Divino ficou com limitações de saúde, usando oxigênio de uma máquina e se reduziram as viagens com ele. Então, seguimos, mãe e filho, em novas explorações pelo Brasil, Argentina e Peru. Fazemos programas compartilhados, as escolhas dele – estádios, sempre, em SP fomos ao do Pacaembu com seu incrível museu interativo – e as minhas, muita natureza, mercados e museus – Fernando de Noronha e Pantanal ficaram definitivamente impressos em nossos corações. Já temos a próxima programada, outra viagem de significados… Eu aproveito cada oportunidade ao máximo, pois, como deve ser, agora o Cássio viaja mais com a namorada Lara Moëller, uma garota linda, inteligente e centrada, com quem tem uma relação muito próxima, de amor e afinidade, até porque – adivinhem? – ela é jornalista.
Tudo isso só podia dar mesmo à minha vida um sentido único, é uma verdadeira benção. Feliz aniversário, meu filho!
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Foto de Capa: Arquivo Pessoal (Cássio no Camp Nou, Barcelona)