Este ano ficará marcado na minha história. Já iniciou com um infarto, onde senti o roçar da Morte. E confesso que essa experiência norteou escolhas a partir dali. Como diz a música “Sujeito de Sorte”, do Belchior, presentemente me considero uma pessoa de sorte. Mas sangrei e chorei pra cachorro.
Sentir que meu tempo é finito, minha existência é frágil, me fez mirar o meu futuro e entender que, tendo pouco ou muito tempo pela frente, depende de mim tentar fazer uma vida que me honre. Desistir de me enganar e encarar que algumas escolhas que vivia não estavam de acordo com o que acredito.
Esse sentido de existência me fez questionar e refletir sobre muitos aspectos da minha vida, que só tempos depois fui conectá-los com o que, anos atrás, havia lido a respeito dos cinco maiores arrependimentos de pessoas que estavam no final de suas vidas, tema do livro “Antes de Partir”, de Bronnie Ware. E, às vezes, é assim mesmo. Uma coisa é a compreensão racional da informação, outra é o entendimento no nível da emoção. Foi o que aconteceu comigo. Esses cinco arrependimentos me deram direção para viver melhor.
Se você ainda não conhece sobre esses cinco maiores arrependimentos, abaixo trato um pouco sobre cada um:
- Gostaria de ter tido a coragem de viver uma vida fiel a mim mesmo/a, e não a vida que os outros esperavam de mim.
Conforme a autora, esse teria sido o principal arrependimento encontrado, pois quando as pessoas percebem que sua vida está quase no fim e olham para trás com clareza, é fácil ver quantos sonhos não foram realizados. A maioria das pessoas não realiza nem metade dos seus sonhos. Uma coisa é você se apaziguar com os sonhos que (não) quis ou (não) pode fazer, outra é nem ter tido consciência sobre as escolhas que fez a respeito deles.
Imagino que esse arrependimento pode vir mais forte pra nós, mulheres, porque desde muito cedo somos educadas para agradar ao mundo e não a nós mesmas, já nascemos com um roteiro de vida traçado, mesmo em pleno século XXI. Desde menina já se espera que um dia casemos, tenhamos filhos, sejamos mães de uma “família perfeita”, podemos trabalhar, mas sem abandonar o cuidado da casa e do marido, mas é importante manter uma beleza magra e jovial até o mais velha possível. E com todo esse script aí, como reconhecer os nossos sonhos reais, se tudo já foi pensado pra nós?
- Gostaria de não ter trabalhado tanto
Esse arrependimento, conforme a autora, veio de todos os pacientes do sexo masculino que cuidou. Sentiam falta da juventude dos filhos e do companheirismo da parceira. Todos os homens lamentaram profundamente ter passado grande parte de suas vidas na rotina de uma existência profissional.
Ela explica que as mulheres também falavam desse arrependimento, mas a queixa foi menos frequente. Fico imaginando se isso não tem a ver com o fato de que é da mulher a responsabilidade do trabalho de cuidado, o que acaba por aumentar esse convívio familiar, em desequilíbrio com os homens. Dados da PNAD Contínua mostram que a mulher dedica 9h36 a mais do que o homem em afazeres domésticos e cuidados de pessoas, como auxiliar em atividades educacionais, ler, jogar e brincar com os filhos, auxiliar nos cuidados pessoais, monitorar e cuidar no ambiente da casa e transportar ou acompanhar para diferentes locais. Essa sobrecarga sobre a mulher faz com que ela perca quase 2h semanais de jornada de trabalho remunerado.
Será que o equilíbrio entre trabalho de cuidado e profissional poderia resultar em menos arrependimento aos homens antes de partir e maior prosperidade para as mulheres em vida? Quem sabe mais dinheiro para realizar sonhos para elas. O que acha?
- Gostaria de ter tido coragem de expressar meus sentimentos
Quantas vezes, por medo de magoar, para não criar conflito, para agradar, para manter a paz no trabalho ou na família, a gente reprime o que está sentindo? Como resultado, os outros ficam felizes e se contentam, mas a gente vai engolindo mágoa, ressentimento, raiva, tristeza, medo, ansiedade… E tudo isso, não à toa, se transforma em doenças.
Quando a gente começa a ser quem se é, pode acontecer de que algumas pessoas não gostem e se afastem, e você descobrirá livramentos na sua vida, mesmo que doam. Também haverá aquelas pessoas em que a conexão entre vocês aumentará, elevando a relação a um nível mais saudável. A gente não consegue controlar a reação dos outros, mas como pontua a Bronnie Ware, “de qualquer maneira você vence”.
- Gostaria de ter mantido contato com meus amigos
Antes de partir, as pessoas percebem que não são os detalhes físicos, materiais, que importam. Não é o dinheiro ou status que têm a verdadeira diferença. Tudo se resume a amor e relacionamento no final.
Na corrida da vida, na rotina diária, casa, filhos, trabalho, onde ficou o tempo para criar e manter as amizades? Não estou falando de “amigos do trabalho”. Mas de vínculos reais, conexões para a vida, onde se pode compartilhar, além de piadas e risadas, as dificuldades enfrentadas, os sonhos futuros e os frustrados, o pedido de conselho. Todos desejam amizades assim, e para construí-las são necessários esforços de tempo, disposição, concessões, prioridade. Desde a quentura que a gente sente no coração quando encontramos o abraço de um/a amigo/a até os estudos científicos que comprovam que esses esforços valem a pena.
Nesse contexto, a amizade feminina é revolucionária nos dias de hoje, em que a competição e o individualismo são superestimulados. Fomos ensinadas a competir umas com as outras e, ao optarmos pela amizade, quebramos esse padrão que nos afasta. Mostramos que um novo modelo é possível, onde a amizade funciona como um refúgio, onde podemos nos acolher, baixar a guarda, ser compreendidas sem medo do julgamento.
- Gostaria de ter me permitido ser mais feliz
Existe um experimento clássico na área da psicologia social chamado Experimento da Conformidade de Asch (assista ao vídeo clicando aqui). Por meio dele, se demonstrou que, como seres sociais que somos, nós não gostamos de parecer diferentes, queremos que as pessoas gostem da gente. Mesmo sabendo que o grupo não está certo, a gente tem a tendência de segui-lo.
Porém, um dos arrependimentos mais comuns que muitas pessoas perceberam apenas no final da vida é que permaneceram presas a velhos hábitos e padrões e que não se permitiram fazer o que de fato as deixava felizes. O medo da mudança fez com que fingissem para os outros e para si mesmas que estavam satisfeitas. Preocupadas com o que os outros iam pensar, não fizeram as bobagens, riram ou brincaram, ou quebraram os padrões que desejavam. “Quando você está em seu leito de morte, o que os outros pensam de você está muito longe de sua mente”, escreve Bronnie Ware no seu blog.
Imagine que nós, mulheres, somos peixes em um aquário onde a água ao nosso redor são todas as regrinhas, conselhos, padrões que desde que nascemos fomos criadas para seguir. Por exemplo, no mundo do trabalho, numa sala de reunião, se somos a única mulher, provavelmente recairá sobre nós a expectativa para servir o café e a água. Esperam da gente doçura, competência, mas não demais. Bom humor, mas não acidez. Esperam que a gente mantenha o padrão de beleza magro, jovial, com unhas feitas, maquiagem leve e depilação em dia, corte de cabelo impecável, roupas e sapatos na moda, etc. E tudo isso nos custa um investimento que, se fossemos colocar na ponta do lápis, pagaríamos um Master of Business Administration – MBA por ano.
E é com a melhor das boas intenções que a gente faz “concessões”, por amor, pra pacificar, pra se encaixar, pra atender às expectativas. Afinal, somos humanas e… Mulheres! Sem consciência que estamos abrindo, muitas vezes, mão da nossa liberdade e do nosso direito de usar esse tempo e dinheiro para realizar nossos sonhos. E atenção: Está ótimo se – com a consciência de que você está imersa naquele aquário – você quiser utilizar seus recursos para fazer tudo aquilo que eu citei antes.
O que eu acho triste é fazer porque “é isso que esperam da gente”, porque “as coisas são assim mesmo”, porque queremos agradar, porque temos medo que namorados, maridos, amores, empregos podem estar em perigo caso a gente faça o que faz sentido pra nós. E se a gente se desacomodasse? E se não tivéssemos medo de ser chamadas de loucas? E se loucura fosse coragem?
2024 praticamente já se foi. E cá estou eu falando sobre arrependimentos antes da Morte. Mas, como dito por José Mujica, “a Morte dá sabor à Vida”.
2025 já está nascendo. Desejo a você que ele seja cheio de coragem para fazer as mudanças que deseja para ser mais feliz. Para inspirar, uso as palavras da Anais Nin: “A vida se contrai ou se expande de acordo com a nossa coragem”. Que tenhamos altas doses dela!
Todos os textos de Karen Farias estão AQUI.
Foto da Capa: Freepik