Com frequência, o pai que paga a pensão alimentícia para os filhos quer saber se os recursos por ele disponibilizados estão sendo utilizados em proveito dos filhos ou se estão sendo utilizados ou redirecionados para o patrimônio da mãe das crianças. Nessas circunstâncias, muitos encontram na ação de exigir contas, também chamada de prestação de contas, uma forma de verificar a realidade fática e, se for o caso, tomar as providências cabíveis para que a pensão seja utilizada realmente em benefício dos filhos. Todavia, há casos em que os pais, mesmo sabendo que as mães das crianças não estão desviando para elas a pensão dos filhos, por vingança e/ou mesquinharia com os filhos, ou para infernizar a vida daquele núcleo familiar do qual ele já fez parte, entram com ações de prestações de contas em que querem saber na minúcia as despesas e criam o maior caso quando as mães não têm notas e recibos de todas as despesas, em uma atitude insensata e vergonhosa até, pois ninguém guarda nota de pipoca, cachorro-quente, gorjetas, dinheiro para os filhos saírem com os amigos, mesadas, etc. Mas há pais com plenas condições de pagar as pensões dos filhos que, por mesquinharia ou outro motivo nada nobre, ajuízam esse tipo de ação visando colher elementos para diminuir os valores das pensões. Algumas vezes, no entanto, eles se dão mal, pois a ação de prestação de contas evidencia que as pensões são insuficientes e ocorrem pedidos de revisão das pensões para mais.
Para um advogado brasileiro, é difícil dizer para um cliente se alguma ação será adequada ou não dentro do direito brasileiro, pois nem sempre é fácil ter previsibilidade jurídica no Brasil. Existem decisões em vários sentidos proferidas pelos nossos tribunais e, inclusive, no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal ocorrem divergências.
A ação de exigir contas prevista no Código de Processo Civil funciona da seguinte maneira: aquele que afirma ser titular do direito de exigir contas requererá a citação do réu para que preste ou ofereça contestação no prazo de 15 dias. Prestadas as contas, o autor terá 15 dias para se manifestar. A impugnação das contas apresentadas deverá ser fundamentada e específica. A parte ré poderá contestar o pedido. A decisão que julgar procedente o pedido condenará o réu a prestar contas no prazo de 15 dias, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o autor apresentar. Pode ser necessária perícia para a real verificação das contas.
Quando ocorrer a guarda compartilhada, que é a regra geral no ordenamento brasileiro, a jurisprudência considera que não é possível a ação de exigir contas, porque o gestor tem condições de saber como se dão os gastos dos filhos, uma vez que na guarda compartilhada há responsabilização conjunta dos pais e o exercício de direitos e deveres ao poder familiar dos filhos em comum.
Todavia, na guarda unilateral a jurisprudência é no sentido de que excepcionalmente cabe sim o ajuizamento da ação de exigir contas, pois de acordo com o Código Civil a guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação dos filhos.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em maio deste ano, publicou no seu site, que a possibilidade do genitor quem paga a pensão alimentícia mover uma ação de prestação de contas contra o outro ainda tem posições divergentes.
Nesta publicação, o STJ destacou que, em 2021, a Terceira Turma entendeu que o alimentante não possui interesse processual para exigir contas do detentor da guarda do alimentando, ou seja, não pode ajuizar tal ação. Nesse julgamento, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva salientou que “a verba alimentar, uma vez transferida pelo alimentante, ingressa definitivamente no patrimônio do alimentando. Dessa forma, segundo o ministro, ainda que o alimentante discorde da aplicação dos recursos, a guardiã da criança, embora tenha o dever de bem empregá-los, não poderá ser condenada a devolver quantia alguma, devido ao princípio da irrepetibilidade dos alimentos”. Para ele, a “via adequada para se questionar o valor da dívida alimentar é a ação revisional ou a ação de modificação da guarda ou suspensão do poder familiar, não servindo a ação de prestação de contas para tal intento. A desconfiança de uso nocivo da verba alimentar desafia providências necessárias em defesa do alimentando, e não a apuração aritmética mensal de gastos exatos com o menor, o que é incompatível com a rotina de quem administra a guarda do filho”.
Este mesmo artigo salienta, entretanto, que poucos meses antes, em agosto de 2021, “ a Quarta Turma decidiu que um genitor pode propor ação de prestação de contas contra o outro genitor relativamente aos valores de pensão alimentícia. Para o colegiado, “bastam indícios, não sendo necessária a comprovação prévia do mau uso da verba alimentar, para o cabimento da fiscalização”.
Em outro caso também referido no site do STH, link acima, “… a Terceira Turma flexibilizou seu entendimento e admitiu a ação de exigir contas ajuizada pelo alimentante, em nome próprio, contra a genitora guardiã do alimentando, para obtenção de informações sobre a destinação da pensão paga mensalmente, desde que proposta sem a finalidade de apurar a existência de eventual crédito.”.
Nesse caso, como destacado pelo STJ, o ministro Moura Ribeiro “… comentou que a Lei 13.058/2014 introduziu a polêmica norma do parágrafo 5º do artigo 1.583 do Código Civil, que versa sobre a legitimidade do genitor não guardião para exigir informações ou prestação de contas do guardião unilateral. Para o magistrado, a questão deve ser analisada com especial ênfase nos princípios da proteção integral da criança e do adolescente, da isonomia e, principalmente, da dignidade da pessoa humana.
Moura Ribeiro apontou que a função supervisora, por qualquer detentor do poder familiar, em relação ao modo como a verba alimentar é empregada, além de ser um dever imposto pelo legislador, é um mecanismo que dá concretude ao princípio do melhor interesse e da proteção integral da criança ou do adolescente.”
Dessa forma, para o ministro, existe sim a possibilidade do ajuizamento deste tipo de ação diante da finalidade protetiva da criança ou do adolescente beneficiário dos alimentos, mas ele deixou claro que “é vedada a possibilidade de apuração de créditos ou a preparação da ação revisional, pois não há hipótese de devolução da verba alimentar”.
Espero que esse artigo lhe tenha trazido alguma informação útil e lembro-lhe que publiquei aqui no Sler, na semana passada, um artigo sobre a Guarda dos Filhos.
Desejo a todos um feliz Natal e um próspero ano novo.
Todos os textos de Marcelo Terra Camargo estão AQUI.
Foto da Capa: