Sempre que penso em religiosidade de matriz africana, penso em raça e, logo em seguida, vem a estrofe dessa canção gravada em 1972 pelo Novos Baianos, mesmo ano em que Juana Elbein dos Santos defende sua tese de doutorado na França, que se transforma no livro “Os Nagô e a Morte”.
Olhem que interessante! A música tem nada a ver com nada desse texto: foi só um toco que o compositor levou de uma menina de Niterói e depois ficou no “lhe chamar enquanto corria a barca”… porém os Novos Baianos… a Bahia… terra do acarajé, dos iorubás, dos nagôs, do Candomblé. Iorubás? Nagôs? Mas afinal quem são? E o que têm a ver com os Novos Baianos, o Candomblé e com o acarajé (que, convenhamos, é uma delícia…)?
Para minha surpresa, nagôs e iorubás são dois nomes para um mesmo povo… um povo que veio da África do Oeste, onde hoje ficam a Nigéria e o Benin, e que são a origem da maior parte da população negra da Bahia, do Candomblé e sim… do acarajé (garanto que agora você começa a gostar cada vez mais deles, né?).
Na verdade, há quem diga que os nagôs não são todos os iorubás, mas só um dos grupos deles, o grupo que veio em maior número para a Bahia. A coisa está ficando complicada, não? Mas ninguém disse que ia ser fácil!! Fica mais complicada, pois, para entender essa história, precisamos falar de outro povo, vizinho dos iorubás a oeste, o povo do reino do Daomé (alguém viu a “Mulher Rei” com a Viola Davis?).
Pois bem! Entre 1724 e 1823, o reino do Daomé foi dominado pelo reino de Oyó, um reino iorubá (sim! existiram vários reinos iorubás! E tem gente que ainda acha que a África é uma coisa só!) e ali, bem do lado do Daomé, tinha outro reino iorubá, menor, chamado Ketu. Ou seja, Ketu ficava bem na zona de conflito entre dois reinos gigantes, por isso, muita gente foi traficada dali para a Bahia. Daí que surgiu o Candomblé de Ketu e – sim, você acertou – o nome do Ara Ketu veio daí também! Depois de 1823, o reino do Daomé se liberta da dominação de Oyó, e a maioria das pessoas traficadas para a Bahia passa a vir da região iorubá, não só de Ketu, mas de outros reinos iorubás também.
Antes que você já comece a pensar que “mas os africanos estão sempre fazendo guerra uns com os outros?”, eu vou lembrar que, na maior parte do tempo, o convívio entre o reino do Daomé e os reinos iorubás era não só pacífico, mas de trocas culturais e comerciais e de enriquecimento mútuo! Quando damos uma olhada nas artes, nas línguas, nas religiões, nas histórias e nos costumes desses dois povos, vemos que eles são muito parecidos e que seus habitantes há muito tempo vêm se influenciando e construindo suas culturas juntos. As guerras aconteceram também, é claro, como acontecem em todos os lugares.
Se vamos falar do Candomblé mesmo, a influência mais forte é a nagô, ou iorubá, mesmo (para você ter uma ideia, “orixá” é uma palavra da língua iorubá), mas quem pesquisa o assunto diz que a religião do Daomé também é muito forte e importante. Aliás, não só no Candomblé, mas em várias religiões afro-brasileiras. E, sim, “acarajé” também é uma palavra de origem iorubá… assim como a comida!!!
Depois dessa aula de história, você ainda deve estar com uma dúvida: “Mas por que o mesmo povo ficou conhecido com dois nomes – Nagô e Iorubá?” Nagôs é como eles eram chamados pelo pessoal do Daomé, e é por isso que ficaram conhecidos assim na Bahia. “Iorubá” é o nome que outro povo, os Hauçá, que faziam fronteira com eles ao norte, os chamavam. Depois da metade do século XIX, foi com esse nome que eles ficaram conhecidos ao redor do mundo, mas aí já é outra ponta desse grande novelo que é a história da África.
* Adriano Moraes Migliavaca é Doutor e Mestre – Literaturas estrangeiras modernas – ênfase em literatura de língua inglesa pela UFRGS, onde também concluiu as graduações em Letras e em Psicologia. Seus interesses de pesquisa incluem tradução literária, literatura moderna de língua inglesa, literatura africana e poesia.