De 6 a 8 de agosto, aconteceram três lives muito esclarecedoras sobre o que está por trás do antes e depois dos desastres que fomos submetidos no Rio Grande do Sul. Como ainda estamos vivendo o rescaldo de tanta destruição, creio ser muito útil este texto e outros que seguirão nas próximas semanas. Espero que sirva para compreendermos melhor o que estamos atravessando. Se você já se deu conta que precisa acompanhar o que está acontecendo nessa fase de agravamento do aquecimento global, pois isso afeta diretamente o seu cotidiano, inclusive seus planos, o que vou trazer nas próximas linhas será esclarecedor.
Um grupo de jornalistas mulheres, que compõe o Grupo de Trabalho de Comunicação da Rede de Emergência Climática e Ambiental (Reca), organizou em parceria da Federação Nacional de Jornalista (Fenaj) três lives intituladas “Diálogos entre jornalistas e especialistas acerca do desastre”. Dá para acompanhar a gravação no YouTube da Fenaj.
Esses encontros trouxeram muitas coisas que a mídia convencional e as redes sociais não abordaram.
Já parou para pensar o que o jornalismo faz com a ocorrência de desastres e o que os desastres fazem com o jornalismo? Essa foi a indagação da professora Marcia Franz Amaral, da UFSM, na abertura do encontro. Diante do que passamos, com tanta falta de orientação sobre o que fazer, tanto desespero, como deve ser a comunicação com população, com os atingidos, com a imprensa das autoridades e dos detentores de informações técnicas?
Tenho feito a cobertura de desastres, fui diretamente afetada por essa última enchente e venho trabalhando em projetos para despertar o interesse de diferentes públicos sobre as mudanças climáticas. Esse contexto complexo me fez voltar à universidade. Estou fazendo mestrado em comunicação, justamente para pesquisar, desvelar contextos e com aspiração de contribuir para que saibamos encarar com mais assertividade esse momento que exige adaptação e mitigação às mudanças climáticas.
Fui uma das painelistas da primeira live. Foi um mega desafio, pois estava quase sem voz. Peguei uma virose, uma pereba que tem deixado muita gente doente em Porto Alegre e Região Metropolitana. Escrevo isso só para explicar o meu desempenho, se você for me ouvir na live. Eu avalio que também é uma consequência da remexida geral da cidade, na qual o ambiente foi submetido.
E sabem por que fui uma das convidadas a falar? Porque fiz reportagens mostrando contextos em que outros colegas jornalistas não se debruçaram. Fiquei muito tocada com a declaração do Roberto Villar Belmonte, professor da Uniritter, que escreveu em um grupo sobre minha atuação.
“Depois da enchente de 2023, apenas a repórter freelancer Sílvia Marcuzzo fez reportagens de fôlego apontando a falta de governança ambiental (proposital) no RS. A imprensa regional dita hegemônica continua fingindo que o tema não existe, mesmo após maio de 2024. Seria legal citar isso na tua fala, Sílvia, na tua abordagem contínua da pauta, não apenas durante a desgraça (quando a morte é o principal valor notícia)”.
Ele escreveu isso também para justificar a minha participação na programação do 8º Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, que esse ano será em Fortaleza. Confere a programação do CBJA, será híbrida, online e presencial.
A primeira live, realizada em 6 de agosto, trouxe a chamada: os alertas foram emitidos. E agora?
Reinaldo Estelles, coordenador-geral do Departamento de Articulação e Gestão, da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, foi categórico: “Não adianta emitir alarmes se a população não souber o que é para fazer”. Esse é um dos pontos nevrálgicos, não basta uma sirene tocar, os bombeiros chamarem. A população precisa compreender o que significa estar em perigo. Creio que quem teve a experiência dos episódios dos meses de maio e junho no Rio Grande do Sul sabe muito bem o que isso quer dizer. Fomos vítimas de uma sequência de trapalhadas, de falta de gestão dos poderes públicos municipais e estadual.
Há muitas dimensões diferentes de informação, que estão intimamente ligadas a vários fatores. Ou seja, mais uma vez ficou supernítido o quanto o Estado que se gaba de “ter façanhas que sirvam de modelo a toda terra” se equivocou em insistir em determinados erros. Há muitas questões por trás das medidas dos tomadores de decisão que precisam ser esclarecidas.
Na live, Estelles anunciou o lançamento do projeto-piloto de um novo sistema de alerta, que aciona todos os celulares de uma região em risco. E reforçou: as Defesas Civis dos municípios e do Estado precisam se capacitar. Outros desastres virão. Ele salientou o quanto as Defesas Civis precisam promover a criação e a mobilização de núcleos comunitários. A participação de vários segmentos, principalmente com a atuação de lideranças locais, são essenciais para a estruturação de planos de contingência. Por favor, se você que me lê souber de algum lugar no Rio Grande do Sul onde isso esteja acontecendo, me conte.
Vagner Anabor, professor de Meteorologia da UFSM, lembrou que o Estado está em uma das regiões de maior incidência de tempestades severas. E na sua opinião, o que vivemos esse ano foi o maior desastre já ocorrido no Brasil. Outra curiosidade apontada por ele é que uns 25% da força de trabalho da Metereologia do País é composta por profissionais formados no RS. Ou seja, o Estado exporta gente qualificada, mas não dispõe de servidores que atuem no próprio território onde nasceram.
Ele defende o fortalecimento de medidas de prevenção. E lamenta que o Climatempo, do governo do Estado, conte apenas com dois metereologistas e um engenheiro hidrólogo. Anabor estima que seria necessária uma equipe entre 20 e 25 pessoas para dar conta de uma área do tamanho do RS.
Outro ponto importante colocado por Anabor é que “a cadeia da informação é muito longa”. E, por questão de minutos, muitas vidas podem ser salvas. Isso quer dizer que, desde o momento em que se sabe o que vem pela frente, até informar e mobilizar diferentes equipes, transmitir alerta e comunicar às comunidades sobre os riscos que eles correm, há muitas etapas a serem cumpridas até o momento de chegar em regiões que serão atingidas. Há diferentes atores envolvidos.
No caso do RS e de Porto Alegre, então, ocorreram muitas situações que deixaram evidente o quanto isso foi prejudicial. E a preparação para lidar com situações de perigo iminente requer planejamento e a execução de um bom plano de contingência (o que também não tivemos por aqui).
Os painelistas salientaram o quanto a imprensa desempenha função crucial para ampliar a percepção de risco da população. Quem cobre precisa saber o que significa uma chuva de 100 milímetros. E para complicar ainda mais o contexto, tem proliferado o número de influencers, gente que só porque sabe falar diante da câmera fica espalhando informações que muitas vezes mais atrapalham do que ajudam. Isso sem falar nas fake news.
Resumindo: enquanto as respectivas autoridades não adotarem condutas responsivas, que assumam o processo de uma comunicação para o bem comum, para salvar vidas, para evitar o pior, teremos que conviver com a insegurança, de procurar entender o que fazer diante de uma situação de risco.
O repórter Luciano Velleda, do Sul21, destacou que diversas vezes a imprensa precisou esperar anúncios da Defesa Civil porque seriam dados pelo governador e pelo prefeito de Porto Alegre em coletivas. Ou seja, assim que chega até a autoridade uma determinada informação, ela é avaliada se é o governador ou o prefeito que serão os porta-vozes. Vale lembrar da vez em que o prefeito sugeriu que os porto-alegrenses deixassem a cidade, fossem para a praia.
Em outros países, onde a comunicação de risco faz parte da cultura e funciona, como o Japão, a cadeia (o caminho que a informação percorre) é curta. Todos são treinados para saber o que fazer em caso de perigo. A autoridade máxima é técnica. Uma série de medidas, como a emissão de alerta em todos os canais de rádio e televisão, são acionadas em caso de risco.
Na próxima semana, trarei mais sobre esse assunto. Porque já está na cara que precisamos avançar nas medidas de prevenção a desastres. Esse assunto não pode e não deve ficar restrito a decisões políticas. A sociedade precisa se apropriar das diversas camadas de conhecimento para evitar danos de toda ordem. Ainda mais em ano de eleição!
Com a palavra, os professores das escolas atingidas pelas enchentes.
Para encerrar, sugiro que vejam a live Inundações no RS e a situação das escolas na RME/POA, realizada no dia 12, onde professores da rede municipal de ensino da Capital contam o que passaram e o que está sendo feito nas escolas atingidas pela enchente. A iniciativa é do projeto de extensão Fazeres Pedagógicos da Faculdade de Educação da UFRGS.
Foto da Capa: Freepik / Gerada por IA
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