Seguindo a sequência que comecei a semana passada (clique aqui para ler), hoje abordo o que rolou na live “Diálogos entre jornalistas e especialistas acerca do desastre”, realizada dia 7 de agosto, que pode ser acessada no YouTube da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). É o segundo dos três encontros promovidos pelo Grupo de Trabalho de Comunicação da Rede de Emergência Climática e Ambiental (Reca).
Com o tema “O desastre eclodiu. Quais são os protocolos?” Com essa pergunta, a mediadora Débora Gallas, do Grupo de Pesquisa de Jornalismo Ambiental e RECA, conduziu o encontro online que teve a participação de Irineu de Brito Junior, especialista em gestão de desastres da Unesp, Armin Braun, diretor do Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad), e dos jornalistas Maria Teresa Cruz e Paulo Mueller.
Um dos pontos que foi unanimidade entre os debatedores foi a necessidade de se cumprir protocolos. O grande X da questão é que, por aqui, pelos pagos, pela Capital gaúcha, o protocolo é algo nebuloso. Digamos que o protocolo aqui durante a enchente era a Defesa Civil avisar pelos seus canais, incluindo o grupo de WhatsApp, o Instagram e o site oficial, que uma tempestade intensa estava vindo. O governador e o prefeito eram os porta-vozes das informações importantes também.
Armin Braun ressaltou a importância dos jornalistas de veículos para dar a noção sobre a percepção da previsão do tempo. Ele explicou que o Cenad trabalha na preparação e na resposta aos desastres. O foco é justamente articular e capacitar os estados e municípios para encarar os riscos hidrológicos, geológicos, meteorológicos. Há vários órgãos públicos envolvidos nessa rede.
Já o professor Irineu destacou o quanto precisa ser feito um planejamento prévio para que se tenha condições de gerenciar o problema provocado por um desastre. Ele citou variáveis que envolvem a logística para o atendimento às demandas. Tudo isso precisa ser pensado em tempo de calma, antes de uma temporada de tempestades, por exemplo.
E a resposta a situações de calamidade não são apenas com relação a intempéries climáticas. Ele lembrou-se do caso do grande número de venezuelanos entrando em Roraima, que também exigiu uma mobilização do governo. Ou seja, a Defesa Civil dos Estados e municípios precisa estar estruturada, com ações já ensaiadas antes de haver um incidente. Para você que me lê, isso parece óbvio. Mas o que vivemos nesse ano no Rio Grande do Sul demonstrou que pouco ou muito pouco de planos de antecipação, ou de contingência, foi colocado em prática.
Vale lembrar que, só em 2023, ocorreram mortes provocadas por enchentes e enxurradas em março, junho, julho, setembro, novembro e dezembro. Ou seja, já tínhamos tido 81 mortes em distintas regiões do Estado. Esses dados eu mesma levantei junto à Defesa Civil. Mas isso não bastou para que os órgãos competentes tomassem as medidas de precaução em 2024.
O jornalista e radialista Paulo Mueller, que acompanhou vários episódios de acidentes de todo tipo em Santa Catarina, tocou numa situação que todo mundo que cobre esse tipo de pauta enfrenta: a dificuldade de se ter acesso às fontes oficiais. É muito comum os jornalistas pedirem informações para a assessoria de imprensa do governo ou da Defesa Civil, mas se tiver a resposta, a prioridade é o atendimento ao chamado, não a imprensa.
Mueller contou o quanto a Defesa Civil de Santa Catarina se capacitou, se estruturou ao longo do tempo, depois de tantos episódios de enchente. Em Blumenau, por exemplo, todos os moradores já sabem se a sua rua vai alagar. O Estado vizinho também utiliza as escolas para trabalhar a cultura da prevenção. Lá também há muitos problemas devido à ocupação desordenada no solo.
E aí, pergunto: por que ainda não se estruturou programas de educação e comunicação que atendam às necessidades das comunidades e da imprensa? Será que os governos estão se dando conta que se houvesse um sistema eficiente que explicasse o risco, nesse momento de crise climática, as mortes e perdas incalculáveis seriam evitadas? Isso é ou não é negacionismo?
Essas lives são muito esclarecedoras para termos noção do quanto esse assunto precisa ser compreendido por todos. Pois somos todos vulneráveis a novos possíveis episódios. Pior: situações terríveis de desgraça ainda são usadas politicamente para contar vantagem de que estão fazendo isso, aquilo, quando, na verdade, para evitar que o pior acontecesse, quase nada foi feito. Assim que um técnico fica sabendo o risco que determinada região, município corre, o tomador de decisão é informado. Só que o que sentimos na pele, aqui no RS, é que a decisão de informar e como informar é muito lenta ou considera primeiro o contexto político e não o socioambiental e econômico.
Em tempos de redes sociais e de “influencers” que se aproveitam de tragédias para ter mais visualizações, muita mentira, desinformação da pior espécie circulou. Então, é mais do que na hora dos governos estruturarem mecanismos de comunicação que traduzam e deixem claro o que deve ser feito em caso de risco. Será que não seria mais eficiente do que ter que desmentir as mentiras que espalham durante os desastres?
Segundo Maria Teresa, que acompanhou de perto o desastre de São Sebastião, no carnaval do ano passado, as autoridades de São Paulo sabiam que choveria muito acima da média naquele feriadão, mas não se empenharam em alertar sobre o risco que as pessoas correriam ao ir para o badalado litoral paulista. Ela disse ainda que o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) já tinha feito um levantamento e mapeado 52 áreas de risco – mais da metade no lugar onde houve o deslizamento – em São Sebastião. Será que o governo não tomou as medidas de prevenção necessárias para salvar vidas?
A jornalista reforçou a necessidade de os profissionais de imprensa saberem se cuidar e obedecerem aos protocolos de seguranças. Ela atualmente atua em favelas no Rio e diz que as medidas são iguais à cobertura de um campo minado de guerra. Maria Teresa salientou a necessidade das redações, de quem atua direto nas coberturas, se capacitarem para enfrentar desafios extremos. Ficar sem conexão de celular, sem conseguir chegar aos locais e, ao mesmo tempo, ter empatia para saber se colocar no lugar do outro, são desafios complexos que precisam ser pensados muito antes de um desastre acontecer.
Você sabe doar direito?
A comunicação sobre o que doar e formas de como enviar também foram abordadas no encontro. Os participantes evidenciaram o quanto a população precisa ser solidária na hora de escolher e remeter as doações. Tem gente que mandou fantasia de carnaval, roupas íntimas – aliás, não se deve mandar esse tipo de vestimenta usada, só se for nova – pinguim de geladeira e até fita VHS de como fazer bijuterias para abrigos. Outra dica é que pares de sapatos devem estar amarrados juntos, pois também é fácil de se perder um pé do outro.
Situação das escolas
Marque na agenda, haverá outra live sobre a situação hoje das escolas atingidas pela enchente. Já foram realizados encontros online nos dias 22 de julho e 12 de agosto, com as escolas da Rede Municipal de Ensino de POA. A próxima será no dia 2 de setembro, às 19h30. Os professores estarão tratando das escolas públicas de Região Metropolitana. No YouTube do projeto Fazeres Pedagógicos, um projeto da Faculdade de Educação da UFRGS.
Foto da Capa: Freepik
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