O colunismo é a mais forte tendência no jornalismo brasileiro contemporâneo. Se mantém vivo tanto nas publicações que ainda são feitas em papel quanto no que é publicado na internet. São independentes na forma, mas dependentes no conteúdo.
Jornais se jactam da grandeza, do alcance e da pluralidade de seus colunistas. Muitas vezes usam isso como forma de se blindar de possíveis críticas das oposições – sejam elas quais forem.
As empresas jornalísticas também adoram atacar fake news e exaltar a importância do jornalismo feito por jornalistas. Mas lembre-se: estas mesmas empresas malbarataram a função jornalística entregando generosos espaços em páginas e colunas a advogados, médicos, professores, atrizes, jogadores, pagodeiros, astrólogos, padeiros, modelos… Enfim toda sorte de profissional que se sujeite a trabalhar de (ou quase de) graça.
Dessa forma, estes mesmos jornais deixam de lado a reportagem, onde está a essência do jornalismo.
A reportagem é sempre mais cara, mais demorada e – no decorrer de sua feitura – pode mudar de rumo ou, até mesmo, tornar-se irrelevante. Logo, a reportagem é mais sinuosa e imprevista.
O colunismo é em linha reta.
A reportagem custa dinheiro e tempo. Exige entrevistas, pesquisa, conhecimento, checagem, imagens, edição e revisão. Ao colunista só se exige um computador (ou, vá lá, um celular). Nem mesmo assunto a coluna exige.
Aliás, são muitos os colunistas que adoram fazer colunas sobre a falta de assunto.
Seja novidadeiro, agressivo, indignado e, se possível, polêmico. Mesmo que isso contrarie seu pensamento, diga algo para chocar. Épater les bourgeois (embora cada vez menos a burguesia se choque com algo).
Seja incisivo em tudo aquilo que não interessa.
Seja crítico com tudo que está errado. Mas não esqueça de não desagradar o patrão e seus interesses.
Faça com grande independência tudo aquilo em que o resultado já está calculado. Arrisque só nas certas.
Seja leve, ameno, simpático, jocoso, até. Lembre-se que o leitor não está preocupado com os seus problemas. Nunca o aborreça. Modere na pieguice.
Seja veemente. Potencialize sua indignação. Faça o leitor sentir o texto como se estivesse sendo lido em voz alta.
Seja cosmopolita. Compare a mediocridade do seu cotidiano aos grandes momentos mundiais.
Seja autorreferente, mas não em demasia. Jamais comece uma coluna com “Eu…”.
Seja original. Cite vez por outra filósofos e pensadores, mas – sempre que possível – nomes facilmente reconhecíveis.
Guarde o hermetismo para questões culturais, discorrendo sobre autores pouco conhecidos, poetas marginais, músicos que estão fora do circuito, cineastas idem.
No futebol, então, discorra de forma analítica e imparcial. Crie a imagem de que embora escreva sobre um tema que exige paixão, você é frio e não se deixa levar pelo oba-oba.
Se for elogiar não esqueça de no final deixar uma crítica para que ninguém lhe acuse de ser parcial.
Eventualmente coloque palavras pouco usuais. Por exemplo: utilize “nefelibata” para se referir a um jogador.
Por fim, lembre-se como a vida é injusta: jogador de futebol velho vira jornalista. Jornalista velho não pode virar jogador de futebol.
Console-se lembrando que alguns ex-jogadores atuando como comentaristas lhe dão a impressão de que alguns cavalos aposentados poderiam comentar páreos no Jockey Club
Seja blasé. Crie a imagem de que nada que é humano lhe passou despercebido.
Use títulos fortes – não necessariamente fiéis ao que você vai escrever. Um título forte mascara a fraqueza de um texto.
Exalte a coerência mesmo que seu texto seja cheio de incoerências.
Mostre-se antenado. Salpique o texto com algumas gírias e expressões estrangeiras vinculadas a algum modismo.
Tenha desprezo por todos aqueles que todos adoram desprezar. Mas cuidado ao criticar alguma vaca-sagrada, seja de que área for.
Seja de alma generosa e preocupe-se com a imagem. Lembre-se do Profeta Gentileza, uma figura intratável e agressiva que entrou para a história como um símbolo de bonomia e temperança.
Seja místico, esotérico. Coloque a culpa no além em tudo aquilo o que você não souber explicar.
Cuidado com a ironia. Nem sempre o leitor entende o que você quer dizer.
Lembre-se também de um ensinamento: fale muito das coisas, pouco de si e nada dos outros. Às vezes divida sua ignorância com o leitor enchendo seu texto de perguntas e interrogações.
Ainda que sua pretensão seja a eternidade, lembre-se que a coluna é efêmera. Não chega a durar em média 24 horas.
Veja isso como uma virtude. Não dando certo uma coluna, recomece tudo de novo no dia seguinte.
(*Esta coluna é livremente inspirada numa série de textos curtos de grande sucesso nos anos 70 que sempre começava com “Amar é…”. Era ilustrada com uns bonequinhos de gosto duvidoso e frases do tipo “Amar é… nunca ter que pedir perdão”. Anos mais tarde, o jornalista Mario Sergio Conti escreveu um texto na mesma linha e com o mesmo título que peguei emprestado. Por fim, há muitas décadas, o crítico literário Roberto Schwarz escreveu “Os 19 princípios da crítica literária”. Enfim, a originalidade pode também estar atrelada a exemplos já conhecidos. Recordar é viver.)