Metade dos anos noventa. O ator e apresentador Sérgio Mallandro está falido. Já fez filme com Xuxa, foi âncora de Sílvio Santos, mas está falido. Estou quebrado – ele diz aos vizinhos, sem ânimo para fazer os seus bordões gluglu, yeeeiyeeei ou raaah. Parece que deu um salto bem maior do que as pernas compridas. E assiste, ao lado da vizinhança, a chegada sucessiva dos credores e seus representantes.
O homem da luz desliga a luz da casa. O da água, a água. Há um fila de oficiais de justiça para notificá-lo de que perderá todos os bens. Um dos oficiais vem buscar o carro. Quando reconhece o ator, começa a chorar. É a primeira vez que chora no serviço. Mallandro se surpreende e quer saber por quê.
O homem explica que o filho está doente. Moléstia incurável, já internado no hospital, morrendo. O menino é fã do ator e costuma explodir em risadas, quando ouve gluglu, yeeeiyeeei ou raaah. O pai agora não sabe o que fazer. Mallandro deixa a apatia, entra na casa penhorada e retorna com uma foto sorrindo como se não tivesse dívidas. Ele a autografa de forma personalizada e diz ao homem que deve cumprir o seu trabalho, portanto notifique logo e corra ao hospital para presentear o filho.
Abraçam-se. O oficial de justiça dá meia-volta e suas lágrimas já têm outra cor. Lamacentas estão as do Mallandro. Nessa hora, ele pensa em seus dois filhos, que estão saudáveis, e moram com a mãe, na Inglaterra. Não está podendo mandar dinheiro para eles, mas conclui que aquilo não é um problema e, sim, um obstáculo. Que tudo na vida é um obstáculo, diante do único problema, este do Oficial de Justiça.
Se você não se emocionou com a história, das duas uma: eu não a contei direito, ou considera chulo o humor que não seja inglês e de bordões como gluglu, yeeeiyeeei, raaah. Penso que isso é um obstáculo, mas, expandido para outros preconceitos, pode até ser um problema.
Foto da Capa: Divulgação
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