Infelizmente a sociedade brasileira continua impregnada de um racismo estrutural que se verifica nas falas, nos gestos, nas ações de grande parte da população, que por falta de lucidez ou maldade, acha que um humano é melhor do que o outro em razão da sua raça, cor da pele, formato dos olhos, religião, origem, identidade sexual ou de gênero.
Isso é tão evidente que, salvo raras exceções, dificilmente se encontra um negro, um índio, ou alguém da comunidade LGBTQIA+ que seja assumido, ocupando um cargo no primeiro escalão de um governo, nas mais altas cortes brasileiras, ou na presidência das maiores empresas do Brasil.
Essa prática perversa é estimulada por discursos de ódio, por opiniões falaciosas, por piadas, e até por publicações nas redes sociais que reforçam preconceitos e o racismo, como, por exemplo, ao dizer: “na minha época chamar alguém de gordo não era problema, chamar alguém de viado não era problema, chamar alguém de ….. não era problema, imitar um macaco não era problema, bater no colega não era problema…”.
Já vi mais de uma vez essas publicações que retratam comportamentos maldosos e estúpidos, que reforçam o ódio, a violência, a prepotência até mesmo em pessoas que pelas oportunidades e posições que galgaram, deveriam ter aprendido alguma coisa, poderiam ter uma visão de mundo bem mais generosa e inteligente.
Muitas delas inclusive têm curso superior, especializações, aprenderam rapidamente tudo sobre grifes e marcas, só não aprenderam a amar o ser humano. Passaram a vida sem entender nada, procurando um motivo, longe de qualquer realidade ou meritocracia, para se sentirem melhor. E o que é pior, em alguns casos usam o nome de Deus para justificar seus ataques, para destilar seu ódio, para acreditarem que são melhores que os outros.
Até mesmo alguns profissionais da saúde não conseguem superar seus preconceitos, abrir seus horizontes, e promovem ataques, discursos de ódio, falam em “cura gay”, divulgam notícias falsas sobre a comunidade LGBTI+, fazendo com que os conselhos de medicina e de psicologia tenham de se manifestar, censurar publicamente essas condutas perversas, e tomar medidas contra tais profissionais.
Há inclusive quem publique “fake news” racistas por interesses eleitorais, pois o racismo está impregnado em toda a sociedade, ferindo o respeito e a dignidade da das vítimas. Esse tipo de conduta além do crime de racismo caracteriza o crime eleitoral.
Lamentavelmente, assustar os eleitores com falsas informações e prometer ser o salvador do “risco inventado”, ainda traz muitos votos no Brasil, e é prática cometida por pessoas dos mais diversos partidos, que não respeitam nem a privacidade e a dignidade dos familiares dos políticos, o discurso de ódio corre solto nas redes sociais.
Há ainda os que por falta de bons sentimentos, bons argumentos e elegância, quando não sabem como atacar a outra pessoa, partem para o xingamento racial, para a injúria e para o racismo, o que é crime.
O que é o racismo segundo o direito brasileiro?
O racismo é uma conduta discriminatória ou preconceituosa dirigida a um determinado grupo ou indivíduo em razão da sua raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, identidade sexual ou de gênero.
A identidade sexual diz respeito a orientação sexual e a identidade de gênero ao modo como o indivíduo se identifica com o seu gênero, se a pessoa se reconhece como homem, mulher, ambos ou nenhum dos gêneros.
O racismo é algo tão grave e frequente no Brasil que na própria Constituição Federal é destacado que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão.
Quais condutas caracterizam o racismo?
O crime de racismo pode ocorrer de diversas formas e a legislação prevê penalidades diferentes dependendo da conduta. São várias as condutas previstas em lei, e vale mencioná-las pois muita gente é vítima desses crimes, e não sabe que poderia se socorrer da justiça:
I – Se o crime for impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireto, bem como das concessionárias de serviços públicos, a pena será de reclusão (prisão) de dois a cinco anos.
II – Sofrerá a mesma pena, quem por motivo de discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional obstar a promoção funcional, negar ou obstar emprego em empresa privada, deixar de conceder os equipamentos necessários ao empregado em igualdade de condições com os demais trabalhadores; impedir a ascensão funcional do empregado ou obstar de outra forma benefício profissional; proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de trabalho, especialmente quanto ao salário.
III – Quem, em anúncios ou qualquer outra forma de recrutamento de trabalhadores, exigir aspectos de aparência próprios de raça ou etnia para emprego cujas atividades não justifiquem essas exigências, ficará sujeito às penas de multa e de prestação de serviços à comunidade, incluindo atividades de promoção da igualdade racial;
IV – Se a conduta for recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador, a pena será de reclusão de um a três anos.
V- Quem recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau, incorrerá na pena de reclusão de três a cinco anos, e se o crime for praticado contra menor de dezoito anos a pena é agravada de 1/3 (um terço).
VI – Quem impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel, pensão, estalagem, ou qualquer estabelecimento similar, incorrerá na pena de reclusão de três a cinco anos.
VII – se a conduta for impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares, confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público, a pena será reclusão de um a três anos.
VIII – quem impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos esportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao público incorrerá na pena de reclusão de um a três anos.
IX – Quem impedir o acesso ou recusar atendimento em salões de cabeleireiros, barbearias, termas ou casas de massagem ou estabelecimento com as mesmas finalidades incorrerá na pena reclusão de um a três anos.
X – Quem impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos incorrerá na pena de reclusão de um a três anos.
XI – Quem impedir o acesso ou uso de transportes públicos, como aviões, navios barcas, barcos, ônibus, trens, metrô ou qualquer outro meio de transporte concedido, incorrerá na pena de reclusão de um a três anos.
XII – Quem impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças Armadas, incorrerá na pena de reclusão de dois a quatro anos.
XIII – Quem impedir ou obstar, por qualquer meio ou forma, o casamento ou convivência familiar e social, incorrerá na pena de reclusão de dois a quatro anos.
XIV – Quem praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, incorrerá na pena de reclusão de um a três anos e multa.
XV – Quem fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo, incorrerá na pena de reclusão de dois a cinco anos e multa.
Se qualquer dos crimes previstos nos últimos dois itens for cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza, a pena será de reclusão de dois a cinco anos e multa, e o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência, o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo; a cessação das respectivas transmissões radiofônicas, televisivas, eletrônicas ou da publicação por qualquer meio; e a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na rede mundial de computadores.
O que é injúria racial?
A injúria ocorre quando se usam palavras depreciativas referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou condição da pessoa idosa ou portadora de deficiência. A intenção é a de ofender a honra de uma pessoa, a sua dignidade. A pena de quem incorre nesse crime será de reclusão de um a três anos e multa.
Essa pena poderá ser aumentada em um terço, se qualquer dos crimes é cometido:
I – contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro;
II – contra funcionário público, em razão de suas funções, ou contra os Presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do Supremo Tribunal Federal
III – na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da injúria.
Se o crime for cometido mediante paga ou promessa de recompensa, aplica-se a pena em dobro, e se o crime for cometido ou divulgado em quaisquer modalidades das redes sociais da rede mundial de computadores, aplica-se em triplo a pena..
Homofobia, Transfobia e seu enquadramento como crimes de racismo
Em junho de 2019, o plenário do Supremo Tribunal Federal enquadrou a homofobia e a transfobia como crimes de racismo.
Vale transcrever essa parte da tese firmada pelo STF:
“O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito.”
Portanto, se você for ou tiver sido vítima de uma conduta racista ou injuriosa, em razão da sua identidade sexual, a lei está ao seu lado. Registre a ocorrência, procure uma associação que defenda seus interesses, o Ministério Público, a defensoria pública, seu advogado de confiança, não deixe passar em branco.
Algumas pessoas apenas conseguem conter seus instintos maldosos, parar de incitar o ódio, quando são desmascarados publicamente, sentem o rigor da lei penal, e a obrigação de pagar indenizações pelos danos, inclusive os morais, que suas condutas racistas ou injuriosas causaram a um determinado grupo da sociedade ou a um indivíduo.
Encerro este texto reproduzindo uma frase do Nelson Mandela, na qual tive a ousadia de inserir em negrito três palavras.
“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem, sua identidade sexual, ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar.”