Ao decidir o requerimento da União, realizado pela AGU, em consequência da prática de atos terroristas contra a Democracia e às Instituições Brasileiras, nos autos do INQUÉRITO 4.879 DISTRITO FEDERAL, o Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, mencionou diversos crimes decorrentes dos violentos ataques, que ocorreram no dia 08 de janeiro recente, que culminaram com a invasão e depredação dos prédios do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal.
Além de na sua decisão ele deixar claro que os ataques constituíram o crime de terrorismo, sobre o qual escrevi um artigo específico, publicado aqui na Sler, no dia 09 de janeiro, ainda mencionou diversos outros crimes sobre os quais farei uma rápida explicação a respeito.
Antes de explicar sucintamente quais atos constituem a omissão penalmente relevante e os demais crimes mencionados pelo Ministro, é importante transcrever o seguinte trecho da decisão em que ele deixa claro que haverá a responsabilização dos envolvidos nos ataques, e que o comportamento ilegal dos criminosos não se confunde com direito de reunião ou livre manifestação de expressão:
“Os desprezíveis ataques terroristas à Democracia e às Instituições Republicanas serão responsabilizados, assim como os financiadores, instigadores e os anteriores e atuais agentes públicos coniventes e criminosos, que continuam na ilícita conduta da prática de atos antidemocráticos.
O comportamento ilegal e criminoso dos investigados não se confunde com o direito de reunião ou livre manifestação de expressão e se reveste, efetivamente, de caráter terrorista, com a omissão, conivência e participação dolosa de autoridades públicas (atuais e anteriores), para propagar o descumprimento e desrespeito ao resultado das Eleições Gerais de 2022, com consequente rompimento do Estado Democrático de Direito e a instalação de um regime de exceção.
Na data de hoje, 8/1/2023, a escalada violenta dos atos criminosos resultou na invasão dos prédios do PALÁCIO DO PLANALTO, do CONGRESSO NACIONAL do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, com depredação do patrimônio público, conforme amplamente noticiado pela imprensa nacional, circunstâncias que somente poderia ocorrer com a anuência, e até participação efetiva, das autoridades competentes pela segurança pública e inteligência, uma vez que a organização das supostas manifestações era fato notório e sabido, que foi divulgado pela mídia brasileira.
A omissão e conivência de diversas autoridades da área de segurança e inteligência ficaram demonstradas com (a) a ausência do necessário policiamento, em especial do Comando de Choque da Polícia Militar do Distrito Federal; (b) a autorização para mais de 100 (cem) ônibus ingressassem livremente em Brasília, sem qualquer acompanhamento policial, mesmo sendo fato notório que praticariam atos violentos e antidemocráticos; (c) a total inércia no encerramento do acampamento criminoso na frente do QG do Exército, nesse Distrito Federal, mesmo quando patente que o local estava infestado de terroristas, que inclusive tiveram suas prisões temporárias e preventivas decretadas.
…
As omissões verificadas, notadamente no que diz respeito à falta da devida preparação para os atos criminosos e terroristas anunciados, revelam a necessidade de garantia da ordem pública, pois presentes o fumus commissi delicti e periculum libertatis, inequivocamente demonstrados os indícios de materialidade e autoria, ainda que por participação e omissão dolosa, dos crimes previstos nos artigos 2a, 3o, 5o e 6o (atos terroristas, inclusive preparatórios) da Lei no 13.260, de 16 de março de 2016 e nos arts. 163 (dano), 288 (associação criminosa), 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito) e 359-M (golpe de Estado), todos do Código Penal.”
Omissão Penalmente Relevante
Conforme previsto no Código Penal, omissão é penalmente relevante quando: o omitente devia e podia agir para evitar o resultado, e o dever de agir cabe a quem tenha por lei a obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; e com o seu comportamento anterior, criou o risco de ocorrência do resultado.
Desse modo, de forma sucinta, ocorre uma equiparação das omissões aos atos criminosos que deveriam ter sido evitados ou combatidos, e as pessoas que tinham o dever de agir, chamados garantes, passam também a responder por tais crimes.
Atos Terroristas, inclusive preparatórios
Conforme definido na lei antiterrorismo brasileira, o crime de terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos a seguir previstos, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.
Os atos de terrorismo são:
I – usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa;
II – sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça a pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, instalações militares, instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás e instituições bancárias e sua rede de atendimento;
III – atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa:
Pena – reclusão, de doze a trinta anos, além das sanções correspondentes à ameaça ou à violência.
Todavia, como a lei antiterrorismo brasileira explicita que o disposto acima “não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei.”, e essa disposição ainda não foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), parece-me que tecnicamente não houve o crime de terrorismo, pois o ataques foram realizados em uma manifestação política. Esclareço contudo, que considero essa ressalva um absurdo, ela acabou na prática por esvaziar a possibilidade que ataques violentos no Brasil possam caracterizar o crime de terrorismo. Como mencionei no início desse artigo, tratei desse tópico na publicação da semana passada.
Também constitui terrorismo promover, constituir, integrar ou prestar auxílio, pessoalmente ou por interposta pessoa, a organização terrorista, e a pena é de reclusão, de cinco a oito anos, e multa, e inclusive realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito:
Pena – a correspondente ao delito consumado, diminuída de um quarto até a metade.
Também incorrerá nas mesmas penas o agente que, com o propósito de praticar atos de terrorismo:
I – recrutar, organizar, transportar ou municiar indivíduos que viajem para país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade; ou
II – fornecer ou receber treinamento em país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade.
Quando essas condutas não envolverem treinamento ou viagem para país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade, a pena será a correspondente ao delito consumado, diminuída de metade a dois terços.
Finalmente, também constitui terrorismo receber, prover, oferecer, obter, guardar, manter em depósito, solicitar, investir, de qualquer modo, direta ou indiretamente, recursos, ativos, bens, direitos, valores ou serviços de qualquer natureza, para o planejamento, a preparação ou a execução dos crimes previstos na lei antiterrorismo. A pena será de reclusão, de quinze a trinta anos.
Crimes de dano
De acordo com o código penal brasileiro, constitui crimes de dano:
“Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.”
O dano será qualificado se o crime for cometido:
“ I – com violência à pessoa ou grave ameaça;
II – com emprego de substância inflamável ou explosiva, se o fato não constitui crime mais grave
III – contra o patrimônio da União, de Estado, do Distrito Federal, de Município ou de autarquia, fundação pública, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviços públicos
IV – por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima:
A pena será de detenção, de seis meses a três anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
Crime de associação criminosa
Caracteriza o crime de associação criminosa associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes. A pena será de reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e será aumentada até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.
Pelas fotos que vi nas redes sociais havia crianças e adolescentes.
Crimes contra as instituições democráticas
São eles:
I – a Abolição violenta do Estado Democrático de Direito, que é tentar, com emprego de violência ou grave ameaça abolir o Estado Democrático impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais, punido com a pena de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência;
e
II – o Golpe de Estado, que é tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído, punido com a pena de reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência.
Importante destacar que uma pessoa pode ter cometido vários desses crimes ao mesmo tempo ou no mesmo dia de forma subsequente. Assim, as penas poderão ser somadas, observando-se as regras do concurso material ou formal de crimes.
Haverá concurso material de crimes quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, praticar dois ou mais crimes, idênticos ou não, e nesse caso aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela.
Haverá concurso formal de crimes quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, praticar dois ou mais crimes, idênticos ou não. Nesse caso será aplicada a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante disposto no concurso material de crimes. O resultado da soma das penas, levando-se em conta as regras do concurso formal, não poderá exceder a que seria cabível pela regra do Concurso Material.
Esse inquérito recém começou, o número de investigados é enorme e deve crescer a cada dia. Será um trabalho hercúleo para o Ministério Público, para os Tribunais, para a Polícia e para os advogados verificarem o grau de participação e responsabilidade de cada envolvido. Todavia, diante da gravidade dos atos praticados, creio que a punição será exemplar, e rápida. Fico com pena de muitas pessoas que, sem querer entraram nessa, e acabaram no calor das manifestações praticando atos que em condições normais jamais fariam, mas infelizmente não dá para deixar passar. Foi grave demais o que aconteceu.