Existe um momento em que o turista dá lugar ao viajante. Aquele sujeito que se propõe a mergulhar nos estranhamentos e nas reflexões de olhar o mundo a partir do que vê em cruzamento consigo e com a verdade do outro.
Segundo meu amigo orientador na psicanálise, Eduardo Pires, o “meu ruminar das minhas inquietações e navegações é muito luxuoso, muito prazeroso e doloroso. E me permite viver uma vida com vitalidade.” Complemento aqui que exercito a prática do deslocamento, onde me coloco o tempo todo em uma posição ambivalente, onde familiarizo o que é estranho e estranho o que é familiar.
Nesta viagem pela vida nem sempre é preciso o deslocamento físico, o que é absolutamente delicioso para mim, mas como já dizia o poeta Fernando Pessoa, para “viajar basta começar.”
Muitas pessoas me perguntam sempre quando conto minha história com o Rana, não como estamos nos sentindo com a distância e nossos sentimentos, e sim em qual língua nos comunicamos. Todas as vezes fiquei me perguntando o porquê desta pergunta? Por que o interesse pelo idioma se torna o interesse central nesta história de amor?
Me desloquei na pergunta e resolvi mergulhar para pesquisar em outro campo de conhecimento que é a linguagem. Em 2018, o linguista britânico Tim Lomas, professor de psicologia positiva na Universidade do Leste de Londres, afirmou ter descoberto e catalogado a existência de, pelo menos, 14 tipos de amor divididos em quatro categorias distintas. O britânico iniciou a sua pesquisa em 2015, coletando e analisando experiências emocionais positivas de diversos idiomas, traduzidos ou não para o inglês. Lomas estudou 50 Idiomas e reuniu mais de mil termos formando uma lexicografia das emoções. Em relação ao amor, Lomas encontrou 600 palavras em inúmeros idiomas que se referem ao ato de amar sem tradução para o inglês – a língua mais falada no mundo no nosso tempo.
A pesquisa conclui que o vocabulário de cada povo pode expressar uma maneira especifica de amar e se falar de amor naquela cultura. Por exemplo, no Brasil, em português, sentimos “saudades”, pedimos “cafuné”, nos “apaixonamos” e estas expressões não tem tradução equivalente para outras línguas. Para demonstrar a complexidade de sentimentos, emoções e situações que envolve o amor em dimensão mundial, o linguista agrupou 14 tipos em quatro categorias diferentes. Vou me debruçar sobre o romântico.
Amor romântico
“Epithymia” – é a forma do amor nos desejos sexuais e nas paixões românticas;
“Paixnidi” – é o amor romântico por nossos afetos;
“Prâgma” – é o amor presente nos relacionamentos duradouros;
‘Anánke” – é a forma mais abstrata, pois se refere ao amor à primeira vista, um amor por alguém que acabamos de conhecer e que não conseguimos evitar.
E ainda existem as formas de amor transcendentais, em que o ato de amor é capaz de reduzir nossas próprias necessidades em razão do outro e do coletivo.
Quando Rana me liga, transitamos entre três idiomas: ele gosta de falar em português, eu em francês e muitas vezes buscamos consenso no inglês. Pedi estes dias para ele me ensinar algumas palavras em Bengali . A cada conversa entramos em um campo lindo e delicado de comunicação descobrindo a cultura um do outro após termos consensuado que não falamos da mesma prática cultural de amor. O dele pressupõe o futuro ligado ao amor pelas tradições e dever a sua comunidade.
E o meu pela experimentação enquanto viajante no mundo da coragem de viver, o que é possível até onde formos, sem uma formalização. Isto inclusive é um ponto de estranhamento para ele: mas por que você me ama se não vamos nos casar? E eu respondo: porque sou brasileira e casamento para mim não significa amar e viver o amor.
Vamos voltar ao estudo do linguista britânico. Segundo ele, há quem diga que a língua do amor é o inglês por causa de autores como William Shakespeare, Jane Austin, Lord Byron e uma lista intensa de poetas e dramaturgos. Há quem defenda que a sonoridade do italiano, do francês e do espanhol fazem destas línguas as verdadeiras línguas do amor. Mas, para Lomas, o idioma do amor é o grego, por sua granulidade com alta intensidade de expressões não encontradas em outros idiomas. Além da psiquê humana, ele diz que a língua tem a capacidade de influenciar nossas vidas, pois o idioma afeta o que observamos, conceituamos, priorizamos e falamos sobre o mundo.
Nesta linha fico pensando em mais este encontro entre eu e o Rana, ele ama o português. E fico pensando por quê? Para ele, como brasileiros, somos carinhosos, afetuosos, “afetivados”. Ele percebe uma leveza e emoção diferente da sua cultura.
“O que pode uma criatura
Senão entre criaturas, amar?
Amar e esquecer, amar e malamar,
Amar, desamar, amar?
Sempre, e até de olhos vidrados, amar?”
(Carlos Drummond de Andrade, Amar)
Quando me debruço sobre nossos poetas, nossas canções e nossa forma de expressar o amor, passo a dar Razão e ale. Somos uma civilização de emocionados. Onde concluo nesta viagem linguística que os verdadeiros emocionados e emocionadas do mundo, somos nós, os brasileiros.