O documentário “Em casa com os Gil” é um mergulho na intimidade da enorme família do artista
Assisti no Amazon Prime Vídeo ao documentário “Em casa com os Gil”. São cinco episódios de trinta minutos cada. Vi os cinco um atrás do outro. É um mergulho na intimidade da enorme família do Gil. Com filhos de três casamentos, netos e bisnetos, além de noras, genros e da esposa Flora, Gil está cercado de afetos.
A quantidade de laços familiares é tão grande que o primeiro episódio traz uma árvore genealógica na parede da casa do sítio, na serra do Rio de Janeiro, onde se passa toda a série dirigida pelo Andrucha Waddington. A reunião de todos tem dois propósitos: comemorar o aniversário de setenta e nove anos do compositor e preparar o show de uma turnê na Europa estrelada pelos membros da família.
O fio condutor dos episódios é a construção do roteiro do show. Para isso, cada um dos presentes na casa tem que sugerir uma música e justificar sua escolha. Fica a cargo de Gil aceitar ou não a canção no set list. Os motivos das sugestões são atravessados por histórias familiares, pelas relações de cada um com os diferentes momentos da vida e da carreira, uma entrelaçada na outra, o que provoca sentimentos fortes em todos, inclusive em nós que estamos assistindo.
O tempo da vida desse artista vai se reconstruindo entre letras e músicas como um testemunho tanto pessoal como coletivo. História individual, familiar, geracional, questões sobre racismo, sobre política, tudo construído com o talento de quem fez e faz da canção uma grande arte. Um dia depois de assistir, ainda sob os efeitos do banho de bons sentimentos que nos deixa o documentário, pensei numa música do Gil que poderia ter sido sugerida e que talvez sintomaticamente não apareceu.
É a canção Rebento, do disco “Realce”, de 1979. Digo sintomaticamente porque estão todos tão envolvidos nela que é compreensível que não tenham se lembrado de propor. A letra: “Rebento, substantivo abstrato/o ato, a criação, o seu momento/como uma estrela nova e o seu barato/que só sabe Deus lá no firmamento/Rebento, tudo que nasce é rebento/tudo que brota, que vinga, que medra/Rebento raro como flor na pedra/Rebento farto como trigo ao vento/Outras vezes rebento simplesmente, no presente do indicativo/ como a corrente de um cão furioso/como as mãos de um lavrador ativo/Às vezes mesmo perigosamente/como acidente em forno radioativo/Às vezes só porque fico nervoso, rebento/Às vezes somente porque estou vivo/Rebento, a reação imediata a cada sensação de abatimento/Rebento, o coração dizendo “bata!” a cada bofetão do sofrimento/Rebento, esse trovão dentro da mata e a imensidão do som desse momento”.
Toda a fertilidade de Gilberto Gil criando filhos e canções, que geram mais filhos e mais canções, tem em Rebento como um impulso chave de toda sua vida.
No meu livro “Bashô um santo em mim”, de 1988, tem um haicai para o nosso hoje octogenário:
do início
ao fim gil
berto gil