A questão das alturas dos edifícios de Porto Alegre está voltando à ordem do dia com uma força tremenda. Uma boa parte da população, descobrindo que se deixou enganar em relação ao plano diretor, está se organizando em movimentos de bairro com a finalidade de combater a grande altura das novas edificações. A discussão não é nova e também não é só nossa.
Há algum tempo atrás, o Dr. Eckhart Ribbeck, coordenador do Instituto de Urbanismo da Universidade de Stuttgart, fez uma palestra no Instituto Goethe em que mostrou o quão radical são os alemães nesse assunto. Lá, como regra, não são aceitos edifícios com mais de 20m de altura (6 pavimentos). A exceção se dá em Frankfurt, que adotou uma política de grandes torres de escritórios no estilo americano visando se tornar o centro financeiro da Europa. Mas, mesmo assim, as zonas em que elas podem ser construídas são cuidadosamente delimitadas (e discutidas!), próximas de transporte público e sem (sic) estacionamentos! Exatamente como Manhattan, onde o grande adensamento inviabiliza o uso do automóvel particular.
Berlim (foto da capa), que recebe gigantescos investimentos de capitais direcionados à construção civil, coisa de 300 bilhões de reais [em 2003], proibiu edifícios com mais de 20m de altura. Algumas exceções, muito bem estudadas, inclusive do ponto de vista de sua qualidade arquitetônica, são admitidas. Mas a regra é que se reconstrua “criticamente” a cidade de antes da II Guerra, com o perfil de pouca altura, tão ao gosto da racionalidade europeia. Os grandes edifícios são vistos como antiecológicos, pelo seu alto dispêndio de energia na sua construção e manutenção e só são aceitos em condições muito especiais.
Em Bali, um paraíso natural, a resolução do plano diretor para limitar as alturas foi muito simples e enfática: nenhum edifício pode ser maior que uma palmeira…
E Porto Alegre? Vamos deixar que os edifícios cresçam indiscriminadamente como começou a acontecer depois que foram introduzidos diversos “artifícios” na lei do plano diretor e que foram consolidados e ampliados no novo plano? Vamos deixar que bairros tradicionais e com uma certa homogeneidade volumétrica sejam abruptamente alterada? Em nome de que? Se o capital imobiliário consegue remuneração na Alemanha e tantos outros lugares com pequenas edificações, se temos uma tradição de construção de pequenos edifícios, que inclusive democratiza o mercado de trabalho, e uma ótima qualidade de vida que não queremos perder, não é chegada a hora da população dizer o que pensa sobre qual é a nossa medida?
A minha opinião é que devemos proteger e recuperar a tradição de baixa altura de Porto Alegre, o que a tornou uma cidade peculiar no panorama brasileiro. Isso como regra. A possibilidade de construção de grandes edifícios deve ser usada para potencializar a revitalização de áreas específicas da cidade, como, por exemplo, os pátios da antiga rede ferroviária, onde o Trensurb opera abaixo de sua capacidade nominal. Em torno da FIERGS, no fim da linha 2 do metrô [hoje já não se fala mais em metrô em Porto Alegre. Por que?], poderia ser pensado um grande centro de negócios e assim por diante, sempre associando os grandes empreendimentos ao transporte público.
O pequeno porte e altura das edificações, que seria a regra geral para toda a cidade, dirigiria os investimentos do grande capital para áreas específicas, estratégicas no planejamento do desenvolvimento urbano. As áreas consolidadas deixariam de sofrer a pressão atual de reconstrução e a cidade se livraria desse processo antieconômico de se reconstruir a cada vinte ou trinta anos. Além disso, com a redução dos índices de aproveitamento, ficaria muito mais fácil proteger o patrimônio arquitetônico e as boas condições de vida que Porto Alegre tem e não quer perder.
Nota: esse artigo foi publicado originalmente no Jornal Já em junho de 2003. Ao relê-lo, eu mesmo fiquei impressionado com sua atualidade. Inevitavelmente, me veio a pergunta: não temos voz nessa cidade? Nunca seremos ouvidos? Digo isso porque sei que somos muitos os que são contrários à política de verticalização desenfreada que começou a tomar forma nos anos 1990 e não parou mais. Quantas reuniões, mobilizações, faixas, textos, protestos e paciência em audiências públicas tivemos e fizemos?
Há pouco, lá estávamos nós em filas sufocantes para votar em um Conselho descabido, planejado e vencido de antemão pelo poder do capital. E agora, com a perspectiva de eleições, algum candidato já ousou se contrapor a essa lógica destrutiva da cidade? Que eu tenha visto, não.
Não ouso dizer que não passarão, pois estão passando há mais de 20 anos… mas, posso afirmar, não terão a satisfação do nosso silêncio. Jamais.
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