Desde o 8 de janeiro, as pessoas sensíveis e com noção do significado do que ocorreu naquele domingo fatídico, estão incomodadas. Mais do que isso. Um gosto estranho na boca, um aperto no peito, um não-sei-como definir. Por tudo que vem acontecendo, realmente me pergunto o quanto válido foi para a humanidade ter dado acesso às redes sociais. No caso do Brasil, então, onde não há regulamentação e pouco controle dos conteúdos publicados, a situação parece ter piorado o que paira no ar. Ver comentários, postagens e uma infinidade de conteúdos produzidos por pessoas sem qualquer comprometimento com a verdade é algo revoltante.
Nem bem atravessamos uma pandemia e desconfio que o bolsonazifacismo produz impactos tão ou mais perversos do que a Covid-19. A profusão de fake news, mentiras da pior espécie, uma rede de narrativas completamente sem fundamento tem movido multidões a fazerem o impensável. Eu dou muita risada nos memes, piadas, a criatividade dos nossos “creators” é gigante, mas o buraco é bem mais embaixo.
O que vivemos com os ataques aos Três Poderes sintetiza o que muita gente faz em pequenas doses no seu dia a dia. E aí, proteção do meio ambiente, cuidados com a natureza é a última coisa que podemos esperar dessas criaturas. Tenho presenciado situações que denotam o quanto essa liberdade de passar por cima dos direitos dos outros tem sido uma prática bem comum do que outros tempos. Por essas e por outras que, acredito, que os malefícios dessa mentalidade “os outros que se explodam” é algo que precisa ser encarada como um problema mais que político: sociocultural.
É preciso que o poder público, setores conscientes da sociedade civil atuem para explicar por que existem leis e porque devem ser cumpridas. Infelizmente, estamos num momento da história do Brasil que precisamos reforçar o óbvio. Pois muita coisa que gente mais esclarecida sabe que é óbvio, não é para boa parcela da população.
Precisamos de mecanismos para a tornar a convivência mais civilizadas. A falta de limites tem se expandido para outras áreas da vida. Bem como fazem garimpeiros, madeireiros, desmatadores, traficantes entre outros contraventores. Nem preciso dizer quem eles apoiam ou financiam, né?
Das pequenas contravenções até o inimaginável
Em Porto Alegre, por exemplo, parece que está mais comum ver motoristas, atravessarem sinal vermelho, cometerem infrações de trânsito, fazerem uso de uma direção nada defensiva. No verão, as pessoas se soltam e esquecem, muitas vezes, que o direito delas termina quando começa o do outro.
Ao caminhar na beira da praia no dia 1º de janeiro, me deparei com os restos de gente que curtiu o momento presente e não se preocupou que na mesma data, só que sob o sol, estariam passando por ali centenas de pessoas. Rolhas, alumínio da embalagem de espumante, tampinhas de cerveja, entre outros resíduos foram deixados por quem comemorou a entrada do ano em Xangri-lá, município que se orgulha por ser a capital dos condomínios.
A beira da praia também se tornou um local de “pega de som”. Se você não sabe o que é, tentarei explicar. Com a evolução tecnológica, as pequenas caixinhas de som se transformaram. Produzem um volume que pode atingir uma área considerável. O “pega” é quando uma música colocada pretende abafar a outra. Então imagine: um sertanejo disputando as ondas do espaço com um funk.
Outra coisa que está cada vez mais comum, mas que é proibida, é a presença de cães na beira da praia. Nada contra os bichanos em si. Só que ao levar e soltar os cachorros na areia, coloca-se em risco a saúde dos frequentadores e do próprio animal. Estamos sujeitos a pegar micoses, bicho-geográfico, entre outras doenças de pele. O bichinho pode curtir na hora, mas pode contrair uma série de doenças e até se queimar de tanto sol.
Não estou me referindo àqueles casos de levar o cão para tomar um banho de mar e voltar para casa. Hoje está frequente os cães irem para a praia junto com as famílias, casais, jovens. Esses dias, vi um shih-tzu fofo fazer xixi em uma das pernas da cadeira de praia de uma veranista que não era da sua família. Já trabalhei em muitas ações de educação ambiental para evitar que isso ocorresse. Mas nos últimos tempos, sumiram iniciativas de conscientização sobre temas como esse.
Outra situação que ouvi de um frequentador de um dos condomínios do litoral é que há gente do próprio condomínio que vai mais cedo para a praia, pega uma barraca, cadeiras e volta para casa. Enquanto isso, os vizinhos vão chegando e não há equipamentos para todos. E os “espertos” chegam mais tarde e tem seus lugares assegurados. Isso é ou não falta de consciência cidadã? Ou teria outro nome para isso?
Por essas e por outras que suspeito que regredimos na convivência em sociedade. Ressalto que essas situações narradas são atitudes praticadas por pessoas de alto poder aquisitivo. Ou seja, a elite precisa ser mais bem educada. Sugiro acessarem a matéria sobre a pesquisa do Instituto Atlas sobre o que a população acha dos ataques aos três poderes na revista Fórum. Esses comportamentos, nada civilizados, foram alimentados nos últimos anos por quem defende o uso de armas, o combate ao comunismo (que não existe, pois, a esquerda que foi eleita está muito longe de ser comunista), agressões a jornalistas, espalha mentiras e insiste na desinformação entre tantas outras atrocidades. Essas pequenas atitudes evidenciam o quanto precisamos trabalhar em várias dimensões para desconstruir certezas absurdas e construir uma cidadania com inclusão e respeito a todos os brasileiros.
Leia também: A ideologia do egoísmo no cotidiano, de Léo Gerchmann