Conforme pesquisa, as pessoas querem viver muito, mas tem medo de envelhecer. Sabe por quê? 77% temem problemas de saúde, 72% temem as limitações físicas e 65% tem receio de a memória ficar ruim. Então, será que a doença é o caminho?
Envelhecer é uma escolha individual
Muito se propaga por aí que a preparação para um bom envelhecimento é uma questão individual. Para você, leitor(a) da Sler da minha imaginação, pode ser que sim. Pode ser que você tenha tido possibilidades de escolhas desde a infância, boa alimentação para sua família, boas escolas, moradia em bons bairros, amizades que te colocaram em rede de contatos que te fizeram ter bom trabalhos e, hoje, conseguir usufruir de boa renda, saúde física, emocional, cognitiva e espiritual perfeita em plena velhice. Então, as dicas que a gente fala sobre as Blue Zones, por exemplo, poderão ser facilmente seguidas, cá fantasio. Mesmo assim, vá que tenha acontecido uma escorregadela, por conta da nossa escassa educação sobre o assunto, muitas pessoas privilegiadas podem ter crescido sem a devida organização, acabando por enfrentar velhices mais endurecidas e adoecidas.
Será mesmo que envelhecer é uma escolha individual?
Agora, imagina quem carrega as dificuldades ao longo de toda uma vida com relação às dificuldades de renda, de conseguir um trabalho digno, subindo e descendo pelos ônibus de madrugada, caminhando nas nossas calçadas cheias de falhas, vivendo pelas periferias, morando sem saneamento, sem praças por perto, com dificuldade de arranjar creche para o filho. A preparação do envelhecimento dessa pessoa é, mesmo, uma questão individual? Até que ponto? Onde começa a escolha pessoal dela e onde inicia a responsabilidade coletiva e a do Estado?
No entanto, com sorte, todos envelhecemos. Rico ou pobre. Homem ou mulher. Branco ou negro. Hetero ou LGBTQIAPN+. Mas qual é o grau de sorte?
Você é azarada/o ou sortuda/o?
Observo que nos habituamos a abordar a sorte e azar da velhice como se ela estivesse conectada a questão da dependência e das limitações físicas. Ou seja, no quanto ela necessita de apoio nas suas atividades de vida diária. Assim, mais azarada a pessoa quanto maior a dependência dela. Mas será?
E quando minhas pernas não puderem me aguentar?
E quando meus ouvidos não conseguirem mais escutar?
E quando meus olhos não souberem mais enxergar?
E quando minha memória não se controlar mais?
Eu estou envelhecendo. Eu já sou uma envelhescente. Com o passar do tempo precisarei fazer uso de uma bengala, andador, aparelho auditivo ou sabe-se lá que outra ferramenta possa vir a existir e/ou necessitar? Quem sabe? Espero não ser como algumas pessoas que conheço que negam a sua realidade e necessidade, prejudicando-se. Está comprovado, por exemplo, que surdez aumenta o risco para Alzheimer e outras demências, que o uso quando indicado de bengala e andador é importante porque evita quedas desnecessárias (um em cada três idosos acima dos 65 anos no Brasil sofre quedas). Espero ser a pessoa que saiba enxergar seus próprios limites, em vez daquela que acha que o problema só acontece com os outros…
O idadismo e o capacitismo…
Não é verdade que a limitação física e a dependência física acontecem de forma exclusiva na fase da velhice, mesmo que muitas vezes seja assim retratado. Existem milhares de pessoas que nascem ou que ao longo das suas vidas desenvolvem condições de alguma maneira limitantes no seu cotidiano, que são as pessoas com deficiência. Assim, quando a gente usa essa lente da sorte e azar da dependência sobre a velhice, junto discriminamos as pessoas com deficiência. Colocamos todas elas na mesma condição de “azaradas”, impossibilitadas da felicidade.
Potência vale pra todos
Porém, pessoas envelhecidas e em andador, cadeiras de rodas, com aparelhos auditivos, bengalas, acamadas… ou seja lá com o que e como estiverem, também são plenas de autonomia, vontade, bom-humor, iniciativa, boas de conversa, criatividade, experiência, conhecimento, vitalidade. É preciso que a gente supere nossos preconceitos. Especialmente os internos. A melhor forma de fazer isso? Conviva, interaja, misture-se com essas pessoas!
A lição vem da cama
Convivendo no Abrigo Emergencial 60+ em Porto Alegre com velhices diversas, um caso me chama a atenção: o de uma mãe de 92 anos, acamada, e seu filho de 74 anos, seu cuidador, traqueostomizado (quem fez traqueostomia, cirurgia para abertura de um orifício na traqueia e na colocação de uma cânula para a passagem de ar), que moravam juntos até a enchente devastar a casinha deles. Eles têm uma linguagem própria e cheia de carinho. A alegria, o bom-humos, o sorriso dela, mesmo tendo perdido tudo, é lição. A força dele, limpando os entulhos para o retorno com a mãe para casa, é a prova de que o mais importante é ter quem queira trocar a nossa fralda com amor. Essa é a maior sorte.
Foto da Capa: Freepik/Gerada por IA
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