E aí entramos em 2025, quem sabe, com uma nova neurose: aceitar ou não uma fatia de bolo de amigos, ou mesmo de algum familiar com o qual já tivemos atritos domésticos. Todo desentendimento é absolutamente sanável com diálogo e boa vontade. Mas se a solução partir para um embate mais forte, evitemos aqueles de perfil odioso. Eu sei, não se brinca com coisa séria, mas o caso que repercutiu nacionalmente, a partir de Torres, o bolo envenenado que matou três pessoas – todos parentes – me provocou as primeiras lágrimas do ano. A maldade encravada onde menos se espera assusta e deprime.
Não tenho capacidade de avaliar o que pode ocorrer na cabeça de uma pessoa a ponto de chegar a atos extremos de crueldade. Eu aprendi, no cotidiano, a perceber que alguns transtornos de personalidade resultam de situações bem claras pelo ambiente em que se geravam. Maus tratos na infância, por exemplo, ou algum tipo de predisposição no convívio doméstico que leve a essa ausência de sentimentos, a incapacidade de se colocar no lugar da outra pessoa e medir a extensão do mal a ser provocado.
O amor, o ódio e a indiferença passeiam pela mesma calçada. Cruzam por nós o tempo todo. Ainda tenho fé, confiança de que os seres humanos, autores de tantas maravilhas arquitetônicas, obras de engenharia fabulosas, medicamentos que salvam vidas, podem conviver em equilíbrio ao lado da ciência, responsável por antídotos a tantos venenos mortais, muitos deles extraídos da própria natureza. E juntos, vigiar o mal, especialmente quando ele é originado por uma não declarada depressão.
Lembro os dias que antecederam minha decisão pela psicanálise. Eu me sentia, literalmente, um erro de projeto – tudo era tédio, sem prazer em atividades que antes curtia. Um sujeito insosso entre conquistas e derrotas. E me dei conta de que buscar o entendimento, ali, naquele divã, demonstrava não apenas força de vontade, mas de firmar uma identidade própria. Buscar a realização sem agredir a si mesmo ou terceiros.
E assim, sigo nesses caminhos tortos, recheados de verdades às vezes duras, quase indecifráveis, mas voltadas àqueles que jamais desistem e não se permitem o contato conivente com o mal. Os primeiros dias de 2025 nos alertam para a maldade que pode envenenar um bolo, ricamente decorado, como uma metáfora para a maldade.
O lado ruim de qualquer ser vivo, especialmente de portadores de psicopatia, não se espelha simplesmente na aparência, é no recheio que se encontra a essência, com seus temperos e vivências. Durante minhas sessões de terapia, aprendi a distinguir entre os que se valem do mal como argumento para suas ações. E parti para a defesa, sem medo dos que me cercam, mas confiante em meu poder de avaliação que, eu sei, pode falhar, mas me mantém alerta contra os possíveis lindos bolos suspeitos do cotidiano.
Ari Teixeira é porto-alegrense, formado em Comunicação Social pela PUC/FAMECOS. Iniciou sua carreira nos jornais da extinta Caldas Júnior - Folha da Manhã e Folha da Tarde - posteriormente Zero Hora e freelancer para os jornais Estado de São Paulo, Jornal do Brasil e outros. Atuou também em assessorias de comunicação do Governo do Estado e na Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Recentemente participou da coletânea “Crônicas para ler com calma!, da Editora Escuna.
Todos os textos da Zona Livre estão AQUI.
Foto da Capa: Reprodução da Internet